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30 novembro, 2010

Homenagem ao Professor Helcio Lins Werneck -Catarse Pedagogica

Cartase Pedagógica


Professor Hélcio José Lins Werneck

“Um pensamento correto é um veneno social” - Saramago

Planejei começar essa cartase pedagógica, percorrendo uma linha do tempo do que suponho tenha sido a aquisição de minha alfabetização, até os dias de hoje, visto que procuro continuar sempre estudando. Tudo porque na minha idade a perca de memória é inevitável.

Tinha uma facilidade razoável para gravar nomes de pessoas, relacioná-las a fatos importantes de minha vida, localizando-as nos meus tempos e contextos históricos. À medida que tentei recompor esse raciocínio, fui surpreendida com esquecimentos que varriam da minha memória, o nome de pessoas que me foram tão caras.

Como por exemplo, não me lembro o nome de um de meus professores de português, no Colégio Anchieta, mais ou menos da quinta ou sexta serie: Francisco ou Joaquim? De que?
Não é justo, deixar essas pessoas se perderem no tempo, sem que lhes faça os devidos agradecimentos, reconhecimentos, homenagens. Afinal, foram elas que “torceram o meu pepino”, me deram o exemplo da imagem que até hoje carrego sobre as competências e posturas que determinam ser de um Professor.

São exemplos de capacidade, autoridade, dedicação, generosidade, delicadeza, lucidez, capricho, persistência, raciocínios, afetividades, noções incríveis de limites.

Como no Google você acha tudo, comecei a procurar por estas pessoas, antes que estas minhas caras memórias se acabassem. Qual não foi minha surpresa haver descoberto a morte de um deles: Professor Hélcio Jose Lins Werneck. Percebi que não poderia adiar mais o tempo esta intenção.

Vou começar então, já nos anos de l965/66? e voltar posteriormente ao inicio do meu processo de alfabetização.

Tinha encerrado o 2º ano Cientifico no Colégio Anchieta, na sua primeira turma mista. Meu pai ficou sabendo no Sindicato da abertura de um colégio experimental e inovador na Ufmg. A grana era curta, estava com a bolsa encerrada, sem perspectiva de continuar estudando. Como sempre ele fazia me inscreveu para concorrer a um lugar, arranjou os livros, e me entregou a responsabilidade.

A prova foi no Instituto de Educação de Minas Gerais. Fiquei assustada com a arquitetura do local, nunca havia entrado em um espaço tão grande, desde a volta pra casa. As perguntas incessantes dos candidatos sobre “como é que ficou sabendo das vagas, de qual escola estaria vindo, quem foi que indicou...”,
Nesta ocasião eu falava pouco, era uma tímida descontrolada, suava em bicas de medo, “ranzinza”, procurava meu pai com os olhos e recebia dele gestos disfarçados me mandando calar a boca.
O mês era dezembro, mais ou menos perto do Natal. Passei. Estava entre os eleitos.

Mais um drama que envolve situações de transitoriedade começou. Uma entre tantas “reformas estruturais de ensino”? no Brasil, demoradas ou podendo ao mesmo tempo, ser de uma hora para outra, haviam suprimido o 3º ano cientifico e clássico das escolas do país. No caso, estava vindo de uma particular, o Colégio Anchieta pressionou para que se efetuasse a matricula com antecedência, argumentando que as coisas não estavam claras e pela necessidade de obedecer a ordens internas de contenção de despesas, não poderiam garantir as vagas, principalmente para os bolsistas. Chato é que naquele tempo, o ano letivo começava impreterivelmente em fevereiro.

Até então, os 120 alunos que preferiram as Ciências Exatas e Biológicas, não haviam sido chamados para fazer matricula pela Ufmg. A divulgação oficial da lista dos aprovados, as datas das reuniões para dizer onde seria o funcionamento, proporcionavam ondas terríveis de boatos e nada acontecia.

O mês de março rolou com seus 31 dias e eu só chorando, porque iria perder um ano. Finalmente fomos convocados para uma reunião de esclarecimentos na Reitoria da Universidade. O reitor apontou em direção a umas maquinas de terraplanagem em cima de uma encosta, e disse: é ali que vocês irão estudar.

Os pais destes alunos organizaram muita pressão e no dia 1º de abril, tivemos a aula inaugural com direito a Reitor e tudo no prédio da reitoria. Ficamos “provisoriamente” parece mais ou menos uns três meses por lá.

Logo se formou uma rivalidade entre os acadêmicos e nós, porque ocupávamos as salas deles, laboratórios, mesmo que ociosos, mais as bibliotecas, restaurantes. Nosso uniforme também era um guarda pó branco, e rolava a conversa que éramos prediletos e privilegiados, mas vistos sempre como intrusos no sistema.

Ordens e contra-ordens começaram a ficar naturais. “Nossos espaços” eram trocados por sujeitos indeterminados; estávamos num lugar e éramos mandados pra outro.
Suspenderam a ordem do almoço na Reitoria, dias depois que mudamos para o “prédio novo”. Somente nossas obrigações não mudavam.
Para recuperar o tempo perdido, tínhamos aula das 7h ás 17hs, sábados e alguns domingos, feriados, seguindo uma programação com uma hora de almoço e 20 minutos rigidamente para o café.

Na inauguração do nosso novo espaço, em um dos laboratórios, tinha um microscópio potente para dois alunos; no de química, todos os reagentes necessários postos organizadamente com antecedência nas bancadas, com pauta e roteiro para as aulas, dizendo quais eram as obrigações de um e de outro. Tivemos até a visita, num domingo, mais ou menos às 10h da manha, do Sarney e do Reitor em comitiva.

Entra então a figura do Professor Hélcio José Lins Weneck como o mentor e chefe da equipe idealizadora e planejadora de uma escola que havia saído da cabeça dele, com uma equipe de primeira qualidade de professores, entre eles, o que traria o “modus operandis” do futuro Sistema Pitágoras de Ensino, e a Escola de Gerenciamento da Fiemg, entre outros, o Professor Clemanceau.

Todo aluno deveria ter e vencer os pré-requisitos de todas as disciplinas. Isto era acompanhado de perto, por n tarefas, cobradas com qualidade, domínio e tempo. Tudo devidamente orquestrado.
Sendo assim, nossas aulas de Biologia não começaram de imediato com o Professor Werneck. Houve antes um preparo de “nivelamento” entre os alunos para que isso acontecesse a contento.

Na hora marcada, a turma já estava toda sentada em sala, todos os 120 alunos. Fechava-se a porta, e ele começava, não se ouvia um ruído sequer.
Usava uma caneta passada de uma mão para outra, num tom baixíssimo de voz. Era um espetáculo. Falava o que tinha que falar, retornava sem que ninguém dissesse nada, aos pontos em que provavelmente seriam apontadas as duvidas.
Dez minutos antes do termino das 2 ou 3 aulas de 50 minutos geminadas, abria espaço para tirar duvidas. Como eram poucas, escrevia no quadro a bibliografia onde poderíamos nos aprofundar (dizia no final: “se os senhores assim o desejarem”...). e saía após com um leve movimento de cabeça.
A turma ainda ficava uns cinco minutos em silencio, extasiada, como se tivessem medo de que aquilo que ele tinha nos colocado na cabeça, fosse fugir de uma hora para outra. Depois é que se levantavam e saiam organizadamente.

Entretanto não existem só linhas retas. O movimento estudantil estava forte, tentando se posicionar contra os militares e o Sistema. Começaram a fazer reuniões surpresas, apresentando tipos e tipos de reivindicações.
As atividades políticas suspendiam as aulas, rompiam espaços sem pedir licença. Ele então, passou a ser chamado de “madre superiora”, e o elegeram a “bola da vez” em todo o tipo de critica, com razão ou sem razão.
Enquanto deu, porque teve até incursão de policia ostensiva, ele mantinha o princípio de que estudante era para estudar, não funcionou por muito tempo e nem muito bem mais qualquer propósito. As coisas começavam a fugir do controle para todos os lados.

Mas foi um tempo riquíssimo.
Por exemplo, uma aprendizagem útil que ficou: ele mandava que nos treinassem nos laboratórios, a usar a mão contraria a dominante, dizendo que um cientista não está isento de sofrer um acidente, e não é justo que o seu conhecimento acumulado, permaneça com ele.
Não que eu seja qualquer coisa que o valha, mas hoje, quando sofri uma queda e perdi o cotovelo, comecei a usar a mão esquerda para evitar uma dependência total, e isto na convivência familiar é muito importante. Mas tem muito mais coisas que ele me deu.
Voltarei a falar disso quando chegar novamente na primeira turma do Colégio Técnico da Ufmg.

Obrigado Professor.

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