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30 janeiro, 2011

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Domingo, 30 de Janeiro de 2011

Agradecendo aos insultos de H. L. Mencken
• 30 de janeiro de 2011|
• 6h00|
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Categoria: Cultura, Tragi-crônica Henry Louis Mencken (1880-1956), um monumento do jornalismo e das letras americanas do século 20, acaba de ser canonizado pela Library of America. Frases como “todo homem decente se envergonha do governo sob o qual vive” ou “a democracia é a arte de administrar o circo através da jaula dos macacos” se tornaram celebrados epítetos do mau humor. Seu estilo sádico, agressivo e hiperbólico inaugurou uma nova era no jornalismo, que arrancava o leitor da preguiça e do torpor mental. Quem lia suas análises do comportamento vil e desonesto do ser humano, o fazia por puro masoquismo e invariavelmente vestia a carapuça.
Dentre os livros, o único traduzido para o português (acordem, editoras!) é O Livro dos Insultos de H. L. Mencken, com seleção e prefácio do onipresente Ruy Castro. Vasculhando as prateleiras de um sebo, encontrei um exemplar da primeira edição (de 1988). Estranhei o fato de o livro estar classificado como “humor” — estranheza essa que só aumentava à medida que eu avançava na leitura. O humor, embora seja visto como uma forma mais simpática e charmosa de jornalismo, é também muito menos crível. E, no caso de Mencken, é um reducionismo patético. O humor era apenas um tempero em sua receita. Apesar da perversidade e do desabrido tom de deboche, penso que suas intenções eram muito mais ensaísticas e ambiciosas intelectualmente — e a história se encarregou de provar isso. Mencken foi um arguto observador de seu tempo, um grande crítico social, capaz, por exemplo, de antever o predomínio e a engenhosidade das mulheres no mercado de trabalho (isso lá em 1918!). Se textos como “A mente feminina” tivessem sido levados mais a sério, teríamos sido poupados do feminismo — a meu ver, a forma mais truculenta (leia-se masculina) de ser mulher. Ademais, seus relatos sobre a covardia e a estupidez do “homem médio” são vívidos demais para que sejam tratados como uma grande brincadeira. Da mesma maneira que sua descrença em relação à religião, à democracia e a todas as formas de governo não eram meros blefes ou chistes.
Mas a verve mordaz de Mencken também teve seus efeitos colaterais. No seu rastro, criou-se uma falange de polemistas profissionais que foi se renovando através dos tempos — e hoje, com o advento da internet, essa multiplicação de asnos em cocheiras virtuais chegou a níveis dramáticos. Dentre os considerados grandes seguidores de Mencken, a estrela que mais brilhou, aqui no Brasil, foi a de Paulo Francis. Não há dúvida de que ele foi o nosso maior e mais barulhento polemista. Sabia como poucos levar seus admiradores ao nirvana e seus detratores à ira.
Pessoalmente, vi ecos de Mencken em Francis muito mais na forma do que no conteúdo. As semelhanças, aos meus olhos, ficaram restritas ao sarcasmo, à paixão e à coragem com que defendiam suas posições. Mencken era um grande formulador de teorias, ilustrava suas teses com fatos históricos e expunha o pensamento reinante de seu tempo em vergonhosas contradições. Conhecia cultura vastamente, mas não a esfregava na cara do leitor. Sabia separar a crítica literária das críticas política, religiosa e social. Francis muitas vezes caminhava na direção oposta. Olhando o leitor sempre de cima, excluía os menos versados em arte, literatura e teatro com intermináveis citações e divagações (muitas delas jogadas, sem critério algum) — o que, algumas vezes, tornava seus textos uma cansativa miscelânea de assuntos. Mas o aspecto que mais separa os dois é o político. Mencken nunca defendeu alguma coisa, não se alinhava a ideais políticos. Criticava o marxismo, mas sempre duvidou da inteligência do homem diante do capitalismo. Sua arte era a da desconfiança. Francis, ao contrário, sempre tomou partido, desde os verdes anos de militância trotskista nos anos 1960 até abraçar furiosamente o neoliberalismo nos anos 1990. Além disso, Francis caiu por várias vezes no erro de defender candidatos duvidosos — que, posteriormente se provariam monumentais patifes no poder.
Eis a grande diferença. Enquanto Paulo Francis era um grande polemista, Mencken era a definição exata do verdadeiro iconoclasta. Era um partido de um homem só, sempre confundindo as pessoas sob qual orientação política ele trabalhava (quando, na verdade, não estava a serviço de nenhuma). Isso fazia dele indomesticável e temido pelos poderosos (incluindo donos de jornais) — tanto que foi considerado como “o cidadão privado mais poderoso da América” pelo New York Times em 1926. Para quem ficou curioso, o Livro dos Insultos foi relançado recentemente, e é uma boa oportunidade para conhecer as facetas do homem. Mas não se assuste com o título. Pode sim ser agressivo, mas considere que, se os insultos de Mencken ainda são atuais, quase um século depois de escritos, é porque, além de necessários, também se tornaram urgentes. Abaixo, deixo vocês com alguns desses insultos:
“Revoluções políticas quase nunca realizam nada de verdadeiro mérito; seu único efeito indiscutível é o de enxotar uma chusma de ladrões e substituí-la por outra.” (Sua natureza interior – 1919)
“Todo artista de alguma dignidade é contra seu próprio país — assim como se pode dizer que aquele país é contra o seu artista. O artista difere de nós porque reage de maneira incomum a fenômenos que nos deixam paralisados ou, no máximo, vagamente aborrecidos. Seu trabalho artístico é uma crítica da vida e, ao mesmo tempo, uma tentativa de escapar dela. É quase impossível encontrar o rastro de um artista que não tenha sido ativamente hostil ao seu ambiente.” (O artista – 1924)
“As companheiras do homem, mesmo que mostrem respeito por seus méritos ou autoridade, sempre o veem secretamente como um jumento, e com a sensação próxima da piedade. O que ele diz ou faz, por mais brilhante, raramente as engana; elas vêem o homem como um sujeito oco e patético.” (A mente feminina – 1918)
“Todo governo é composto de vagabundos que, por um acidente jurídico, adquiriram o duvidoso direito de embolsar uma parte dos ganhos de seus semelhantes (…) Se pudessem, os governantes reduziriam o cidadão à roupa do corpo. E, se deixam alguns trocados com ele, é apenas por prudência, assim como o fazendeiro deixa à galinha alguns de seus ovos.” (Mais sobre o assunto – 1925)
“As mulheres têm um senso estético muito mais afiado que o do homem. Todas as mulheres, exceto as menos inteligentes, radiografam a impostura com seus olhos (…) Se se anunciasse que um elenco inteiramente masculino faria um strip-tease num palco, as únicas mulheres que compareceriam ao espetáculo seriam algumas adolescentes retardadas, uma ou duas solteironas psicopatas e uma brigada de indignadas senhoras da igreja local.” (A isca da beleza – 1921)
“Os deveres diários de um profissional de Deus não têm nada a ver com religião. São basicamente de natureza social ou comercial. Supondo-se que ele trabalhe, este trabalho será o de um gerente-geral de uma corporação e dividida por facções entre os acionistas. Seu bláblá especificamente teológico é de natureza monótona e repetitiva e o desgosta poderosamente, assim como um cirurgião se deprime diante de uma sucessiva extração de furúnculos.” (Funcionários da fé – 1924)

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