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21 agosto, 2011

Tem razão o Wilde? - Professores em Rede


A ALMA DO HOMEM (SOB O SOCIALISMO)  - 1891 - OSCAR WILDE
A ALMA DO HOMEM
A vantagem principal da consolidação do Socialismo está, sem dúvida, no fato de que ele poderia nos livrar dessa imposição sórdida de viver para outrem, que nas condições atuais pesa de forma implacável sobre quase todos.
Com efeito, dificilmente alguém consegue escapar.
De quando em vez, no decorrer do século, um grande cientista como Darwin; um grande poeta como Keats; um aguçado espírito crítico como M. Renan; um artista supremo como Flaubert pode isolar-se, manter-se ao largo do clamor das exigências alheias, por-se "ao abrigo do muro", no dizer de Platão, e assim elevar à perfeição o que está nele, para o bem inestimável de si mesmo, e para o bem inestimável e definitivo da humanidade. Estes, porém, são exceções.
A maioria dos homens arruína suas vidas por força de um altruísmo doentio e extremado - são forçados, deveras, a arruiná-las.
Acham-se cercados dos horrores da pobreza, dos horrores da fealdade, dos horrores da fome.
É inevitável que se sintam fortemente tocados por tudo isso.
As emoções do homem são despertadas mais rapidamente que sua inteligência; e, como ressaltei há algum tempo em um ensaio sobre a função da crítica, é bem mais fácil sensibilizar-se com a dor do que com a idéia.
Conseqüentemente, com intenções louváveis embora mal aplicadas, atiram-se, graves e compassivos, à tarefa de remediar os males que vêem.
Mas seus remédios não curam a doença: só fazem prolongá-la.
De fato, seus remédios são parte da doença.
Buscam solucionar o problema da pobreza, por exemplo, mantendo vivo o pobre; ou, segundo uma teoria mais avançada, entretendo o pobre.
Mas isto não é uma solução: é um agravamento da dificuldade.
A meta adequada é esforçar-se por reconstruir a sociedade em bases tais que nela seja impossível à pobreza.
E as virtudes altruístas têm na realidade impedido de alcançar essa meta.
Os piores senhores eram os que se mostravam mais bondosos para com seus escravos, pois assim impediam que o horror do sistema fosse percebido pelos que o sofriam, e compreendido pelos que o contemplavam.
Da mesma forma, nas atuais circunstâncias na Inglaterra, os que mais dano causam são os que mais procuram fazer o bem.
Por fim presenciamos o espetáculo de homens que estudaram realmente o problema e conhecem a vida - homens cultos do East End - virem a público implorar à comunidade que refreie seus impulsos altruístas de caridade, benevolência e coisas desta sorte.
Fazem-no com base em que essa caridade degrada e desmoraliza.
No que estão perfeitamente certos.
A caridade cria uma legião de pecados.
E há mais: é imoral o uso da propriedade privada com o fim de mitigar os males horríveis decorrentes da instituição da propriedade privada.
É tão imoral quanto injusto.
Com o Socialismo, tudo isso naturalmente será mudado.
Não haverá pessoas enfiadas em antros e em trapos imundos, criando filhos doentes e oprimidos pela fome, em ambientes insuportáveis e repulsivos ao extremo.
A segurança da sociedade não dependerá, como hoje, das condições climáticas.
Se cair uma geada, não teremos uma centena de milhares de homens desempregados, vagando pelas ruas em estado repugnante de miséria, implorando esmolas ao próximo, ou apinhando-se às portas de albergues abomináveis para garantir um pedaço de pão e a pousada suja por uma noite.
Cada cidadão irá compartilhar da prosperidade e felicidade geral da sociedade; e, se vier uma geada, ninguém será prejudicado.
Por outro lado, o Socialismo em si terá significado simplesmente porque conduzirá ao
Individualismo.
Socialismo, Comunismo, ou que nome se lhe dê, ao transformar a propriedade privada em bem público, e ao substituir a competição pela cooperação, há de restituir à sociedade sua condição própria de organismo inteiramente sadio, e há de assegurar o bem-estar material de cada um de seus membros.
Devolverá, de fato, à Vida, sua base e seu meio naturais.
Mas, para que a Vida se desenvolva plenamente no seu mais alto grau de perfeição, algo mais se faz necessário.
O que se faz necessário é o Individualismo.
Se o Socialismo for Autoritário; se houver governos armados de poderes econômicos como estão agora armados de poderes políticos; se, numa palavra, houver Tiranias Industriais, então o derradeiro estado do homem será ainda pior que o primeiro.
Atualmente, em virtude da existência da propriedade privada, muitos têm condições de desenvolver um certo grau bastante limitado de Individualismo.
Ou estão desobrigados da necessidade de trabalhar para sustento próprio, ou em condições de escolher a esfera de atividade que seja realmente compatível com sua índole e lhes dê satisfação.
Estes são os poetas, os filósofos, os homens da ciência, os homens da cultura - numa palavra, os verdadeiros homens, os que fizeram verdadeira sua individualidade, e nos quais todo o Humano alcança uma parcela dessa verdade.
Por outro lado, há muitos que, por não possuírem qualquer propriedade privada, e por estarem sempre à beira da inanição completa, são compelidos a fazer o trabalho de bestas de carga, a fazer um trabalho totalmente incompatível com sua índole, ao qual são forçados pelo compulsório, absurdo e degradante jugo da privação.
Estes são os pobres, e entre eles não há elegância nas maneiras nem encanto no discurso, civilização, cultura, refinamento nos prazeres, ou alegria de viver.
Da força coletiva deles, a Humanidade ganha muito em prosperidade material.
Mas o que ela ganha é apenas o produto material, e o homem pobre não tem em si mesmo nenhuma importância.
É apenas o átomo infinitesimal de uma força que, longe de tê-lo em consideração, esmaga-o.
Na verdade prefere-o esmagado, de vez que nesse caso ele é bem mais obediente.
Naturalmente, poder-se-ia dizer que o Individualismo que se desenvolve sujeito às condições da propriedade privada nem sempre, ou sequer em regra, é de espécie refinada ou admirável, e que os pobres, se não têm cultura e atrativos, guardam, no entanto muitas virtudes.
Ambas as declarações seriam bastante verdadeiras.
A posse da propriedade privada é amiúde desmoralizante ao extremo, e esta é, evidentemente, uma das razões por que o Socialismo quer se ver livre dessa instituição. De fato, a propriedade é um estorvo.
Alguns anos atrás, saiu-se pelo país dizendo que a propriedade tem obrigações.
Disseram-no tantas vezes e tão fastidiosamente que, por fim, a Igreja começou a repeti-lo. Falam-no agora em cada púlpito.
É a pura verdade.
A propriedade não apenas tem obrigações, mas tantas que sua posse em grandes dimensões toma-se um fardo.
Exige dedicação sem fim aos negócios, um sem-fim de deveres e aborrecimentos.
Se a propriedade proporcionasse somente prazeres, poderíamos suportá-la, mas suas obrigações a tomam intolerável.
Para bem dos ricos, devemos nos ver livres dela.
Algumas virtudes dos pobres são prontamente aceitas, e há muitas a lamentar. Freqüentemente ouvimos dizer que os pobres são gratos pela caridade.
Decerto alguns são gratos, mas nunca os melhores dentre eles.
São ingratos, insatisfeitos, desobedientes e rebeldes.
Têm toda razão em o serem.
Para eles, a caridade é uma forma ridícula e inadequada de restituição parcial, ou esmola piedosa, em geral acompanhada de alguma tentativa por parte da alma apiedada de tiranizar suas vidas.
Por que deveriam ser gratos pelas migalhas que caem da mesa do homem rico?
Deveriam é estar sentados a ela, e já começam a se dar conta disso.
Quanto à insatisfação, aquele que não se sentisse insatisfeito com essa condição inferior de vida seria um perfeito estúpido.
A desobediência é, aos olhos de qualquer estudioso de História, a virtude original do homem.
É através da desobediência que se faz o progresso,


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