Enviado por: "Marco Vargas" marcobage@yahoo.com.br marcobage
Dom, 17 de Jun de 2012 10:38 pm
Diane Ravitch: De onde sopram os
ventos de destruição da educação pública
Pó rLuiz Carlos Azenha
Os argumentos políticos e
ideológicos são apenas pretexto para os que pretendem destruir a educação
pública e gratuita para todos: eles correm atrás é de lucro.
A matriz é estadunidense, mas o
movimento é global e encontra forte apoio na mídia corporativa, já que grandes empresas
do ramo também oferecem serviços educacionais.
O lobby dos empresários do ramo
convence à esquerda e à direita.
Culpar os professores pela falência sistêmica abre espaço
para a venda dos testes padronizados, das apostilas de apoio didático, de vagas
e de outras invencionices que rendem bilhões de dólares e reais.
Por isso traduzimos o artigo a
seguir, do New York Review of Books: é um mapa do que já está acontecendo ou
pode vir a acontecer no Brasil.
A deseducação de Mitt Romney
por Diane Ravitch, no NYRB
Em 23 de maio a campanha [do
pré-candidato republicano à Casa Branca Mitt] Romney divulgou o programa de
educação do candidato intitulado “Uma oportunidade para toda criança”: o plano
de Mitt Romney para restaurar o futuro da educação estadunidense.
Se você gostou das reformas
educacionais do governo George W. Bush, você vai amar o plano de Romney.
Se você acha que entregar as
escolas para o setor privado vai resolver o problema, o plano vai deixá-lo
entusiasmado.
Os temas centrais do plano Romney
são um requentado das ideias republicanas para a educação dos últimos trinta
anos, ou seja,
subsidiar os pais que querem
mandar suas crianças para escolas privadas ou religiosas, encorajar o setor
privado a operar escolas,
colocar os bancos privados no
controle de programas de financiamento de bolsas de estudos,
cobrar de professores e escolas
os resultados de exames obtidos por alunos
e reduzir as exigências para a
admissão de novos professores.
Estas políticas refletem a
experiência dos assessores de Romney, dentre os quais há uma dúzia de
ex-integrantes do governo Bush e vários acadêmicos conservadores, entre eles o
ex-ministro da Educação Rod Paige, o ex-subsecretário de Educação Bill Hansen e
os militantes pelo direito de escolha dos pais, John Chubb e Paul Peterson.
Ao contrário de George W. Bush,
que negociou com um Congresso controlado pelos democratas para aprovar o
[programa de educação] “Nenhuma Criança Deixada para Trás”, Romney não faz
acordo com ninguém.
Ele precisa provar à base do
Partido Republicano” especialmente a evangélica” que é realmente conservador.
E este plano é o seu missão cumprida
[referência à anedótica "Missão Cumprida" de Bush, que celebrou a
vitória no Iraqueantes da insurgência que devastou o país].
Romney dá apoio total ao uso do
dinheiro do contribuinte para pagar bolsas de estudos em escolas privadas [vouchers], às escolas
gerenciadas pela iniciativa privada e às escolas online que buscam lucro, além
de qualquer outra alternativa às escolas públicas.
Como Bob Dole [candidato
republicano] em 1996, Romney demonstra desprezo pelos sindicatos de professores.
Ele assume posição firme contra a
certificação de professores” as exigências mínimas de que futuros professores
devem passar por exames estaduais ou nacional para demonstrar seu conhecimento ,
alegando se tratar de uma barreira desnecessária.
Ele acredita que o número de
alunos por sala de aula não importa (embora ele e os filhos dele tenham frequentado
escolas privadas de elite, onde as classes são pequenas).
Romney alega que escolha na
educação é o direito civil de nossa era, um tema familiar entre os reformistas
da educação de hoje, que usam a ideia para fazer avançar suas tentativas de
privatizar a educação pública.
Quando se trata de universidades,
Romney ataca Obama pelo aumento nos custos da educação superior.
Ele alega que ajuda federal leva
ao aumento das anuidades, por isso não pretende dar financiamento aos estudantes
endividados.
O plano não menciona que as
anuidades aumentaram também em universidades públicas (onde estudam 3/4 de
todos os estudantes), já
que os estados reduziram seus orçamentos para educação superior e transferiram
o peso de pagar dos contribuintes para os estudantes.
Romney pretende encorajar o
envolvimento do setor privado na educação superior ao dar a bancos privados o
papel de intermediários nos empréstimos federais para a educação, o que Obama
eliminou em 2010, por ser custoso.
(Até 2010, os bancos recebiam
subsídios do governo federal para fazer empréstimos a estudantes, mas o governo
assumia todos os riscos da inadimplência.
Quando o programa foi reformado
pelo governo Obama, bilhões de dólares em lucro dos bancos foram redirecionados
para dar bolsas a estudantes necessitados) .
Para cortar custos, Romney encoraja
a proliferação de universidades privadas online.
O plano de educação de Romney diz que nenhum dinheiro
novo será necessário, já que gastar mais com as escolas não resolve os
problemas da educação.
No entanto, ele propõe o uso de
dinheiro público para promover suas prioridades, como bolsas em escolas
privadas, escolas gerenciadas privadamente e escolas online.
Ele também quer usar dinheiro
federal para recompensar estados que eliminarem ou reformarem a estabilidade de
emprego dos professores, com foco no avanço dos estudantes.
Traduzido, isso significa que Romney se dispõe a dar dinheiro
federal aos estados que eliminarem os direitos dos professores e se eles pagarem
mais aos professores cujos estudantes tiverem resultados melhores em
testes-padrão, demitindo os professores cujos alunos não conseguirem isso.
Ao defender as bolsas nas quais o
governo financia o pagamento das mensalidades em qualquer escola privada ou
religiosa escolhida pelos pais Romney exagera os dados; algumas de suas
afirmações são simplesmente falsas.
O plano de Romney diz que o
programa de bolsas do Distrito de Columbia [onde fica Washington, a capital dos
Estados Unidos], que começou em 2004, o primeiro a usar dinheiro federal para subsidiar
escolas privadas, é um modelo para a nação.
Afirma que depois de três meses,
os estudantes podiam ler em níveis que só seriam atingidos 19 meses depois por
alunos de escolas públicas.
É simplesmente falso.
Uma avaliação do programa
requisitada pelo Congresso descobriu que os estudantes que receberam as bolsas
não tiveram ganhos de leitura ou matemática.
Como disse o relatório final, não
há provas de que o OSP [Programa de Bolsas Oportunidade] tenha afetado as
conquistas dos estudantes.
Romney alega que 90% dos estudantes
que receberam bolsas em escolas privadas se formaram no ensino médio, comparado
com 55% nas escolas de baixo rendimento do Distrito de Columbia. Mas é exagero.
A avaliação federal disse que 82%
dos que receberam bolsas se formaram, contra 70% entre os estudantes que
pediram bolsas, mas não conseguiram.
É um ganho respeitável, mas nem
de perto chega aos números citados por Romney.
Como estudantes que disputam as
bolsas tendem a ser mais motivados que os que não disputam, os cientistas
sociais geralmente comparam o resultado final entre os que conquistaram as
bolsas e os que ficaram de fora.
Paradoxalmente, a campanha de
Romney assume crédito pelo fato de que [o estado de] Massachussets lidera a
nação nos testes federais de leitura e matemática conhecidos como National
Assessment of Educational Progress.
Mas Romney não foi o responsável
pelo sucesso acadêmico do estado, que se deve a reformas completamente
diferentes das que ele agora propõe para o país.
A reforma no estado se tornou lei
pelo menos uma década antes de Romney começar seu mandato de governador, em
2003.
O Ato de Reforma de Educação de
Massachusetts envolveu o
compromisso do estado de dobrar o
financiamento da educação de 1,3 bilhão de dólares em 1993 para 2,6 bilhões em
2000;
o compromisso de financiamento
mínimo para todo distrito escolar, de acordo com suas necessidades básicas;
o desenvolvimento de um forte
currículo de Ciências, Artes, Língua Estrangeira, Matemática e Inglês;
a implementação de um programa de
testes baseado no currículo completo (por causa do custo, o estado testava
apenas para leitura e matemática);
a expansão do desenvolvimento
profissional dos professores; e
o teste de futuros professores.
No fim dos anos 90, antes que
Romney assumisse o governo, o estado aumentou o financiamento para as crianças
em idade pré-escolar.
O plano de Romney, em contraste,
é animado pela reverência ao setor privado.
Embora fale pouco sobre a melhoria ou o investimento em educação
pública, que é tratada como instituição falida, um grande entusiasmo é dedicado
à inovação e ao progresso que supostamente ocorrem quando pais usam dinheiro
público federal para colocar os filhos em instituições privadas ou em escolas
privadas online.
Massachusetts conseguiu sucesso
ao melhorar o padrão de exigência para novos professores, não ao reduzí-lo.
Massachusetts não eliminou a
estabilidade dos professores, ou seja, o direito que os professores experientes
têm de serem ouvidos antes da demissão.
A educação superior, garante
Romney, vai florescer quando inovação e novas aptidões forem mais importantes
que tempo em sala-de-aulaâ.
Em português simples, a última
sentença significa que a educação superior se tornará mais acessível quando
estudantes se matricularem em escolas online, muitas das quais visam lucro e
custam barato.
Naturalmente que as universidades
online são mais baratas; não envolvem custos de capital, bibliotecas, prédios e
o pessoal é mínimo. Algumas estão sendo investigadas por fraude nos métodos
usados para recrutar alunos; elas evitam regulamentação federal com um alto
investimento (bipartidário) em lobby.
A primeira resposta do governo
Obama às propostas de Romney foi dizer que as políticas de Obama para o ensino
médio têm o apoio entusiástico de conservadores proeminentes como os
governadores republicanos Chris Christie de Nova Jersey e Susana Martinez do
Novo México.
Infelizmente, é a verdade.
Tirando a oferta de bolsas para
escolas privadas e a redução da certificação de professores, o programa Corrida
ao Topo de Obama promove virtualmente tudo o que Romney propõe gerenciamento
privado, competição, avaliação de professores baseada nos resultados de testes dos
alunos.
O ministro da Educação de Obama,
Arne Duncan, tem defendido as escolas gerenciadas privadamente e a cobrança a
partir de resultados de testes tanto quanto Mitt Romney.
E, como Romney, Duncan despreza a
ideia de que é preciso reduzir o número de estudantes por professor.
A proposta de Romney de dar
bolsas em escolas privadas usando dinheiro federal é carne crua para a base
direitista do Partido Republicano, especialmente os evangélicos.
As bolsas são vendidas como o terceiro
trilho da educação desde que foram propostas por Milton Friedman, em 1955;
foram colocadas sob votação em vários referendos estaduais e foram rejeitadas
consistentemente.
De forma geral, o público não quer ver dinheiro público
usado para promover escolas religiosas. E várias escolas religiosas não querem
dinheiro público, que vem ligado a vários exigências federais.
Mas nos últimos anos as bolsas
foram reanimadas por legisladores estaduais de Indiana, Wisconsin e Louisiana,
sem passar pelos eleitores.
Os resultados não são nada
animadores.
Em Louisiana, onde a reforma da
educação do governador Bobby Jindal foi aprovada em abril, a nova lei declara
que os estudantes de escolas com baixa performance nos testes-padrão podem
transferir o dinheiro do financiamento público que recebem para qualquer escola
privada ou religiosa pré-aprovada.
Cerca de 400 mil estudantes (mais da metade do total)
podem competir, mas há apenas 5 mil vagas nas escolas privadas ou paroquiais do
estado.
Quando o estado divulgou a lista
de escolas, a que se propôs a receber o maior número de estudantes bolsistas
foi a New Living Word School, que ofereceu 315 vagas.
Hoje ela tem um total de 122
vagas, mas não dispõe de instalações ou professores para os futuros estudantes,
embora prometa construir um novo prédio antes do início do ano escolar. A maior
parte das aulas na escola é dada através de DVDs.
Outra escola, a Academia da Eternidade Cristã, que
atualmente tem 14 estudantes, concordou em receber 135 bolsistas.
De acordo com um artigo recente
da agência de notícias Reuters, os estudantes da escola ficam a maior parte do
dia sentados em cubículos e trabalham com livros didáticos cristãos, um deles,
de Ciência para iniciantes, com um texto que explica as coisas que Deus fez em
cada um dos seis dias de criação.
As crianças não aprendem sobre a
teoria da evolução.
O pastor-diretor explicou: Tentamos
ficar longe de todas as coisas que confundem nossas crianças.
Outras escolas aprovadas para
receber estudantes bolsistas, pagas com dinheiro público, usam textos de estudos
sociais que advertem contra liberais que ameaçam a prosperidade global [por
acreditarem na teoria do aquecimento global]; livros de matemática baseados na
Bíblia que não tratam de conceitos modernos; e textos de biologia construídos
em torno de negar a teoria da evolução.
O repórter da Reuters descreveu a
lei de Louisiana como o mais ousado experimento nacional para privatizar a
educação pública, com o estado preparado para transferir milhões de dólares em
dinheiro do contribuinte para pagar à indústria privada, empresários e pastores
para educar crianças.
No ano que vem, todos os
estudantes de Louisiana poderão disputar bolsas para fazer cursos com empresas
privadas ou corporações que ofereçam ensino ou treinamento.
Podem esperar por um boom nos
negócios da educação no estado.
O que o governador Jindal está
fazendo soa como um ensaio do plano Romney.
Sem dinheiro novo no orçamento,
todo o dinheiro para bolsas e empresas privadas e escolas online será deduzido
do orçamento estadual das escolas públicas.
O governador Jindal e Mitt Romney
deveriam explicar como a educação vai melhorar nos Estados Unidos se o dinheiro
público for usado para mandar estudantes para escolas sectárias ou pagando
cursos em empresas privadas ou online.
Pela visão apresentada por Romney, dinheiro público vai
ser usado em escolas que ensinam criacionismo.
Qualquer um poderá ensinar, sem passar por testes de conhecimento
e habilidade e sem preparo profissional.
Professores poderão ser demitidos por qualquer razão, sem
a proteção garantida pela liberdade para ensinar.
Em alguns estados ou regiões, professores vão temer dar
aulas sobre a teoria da evolução, o aquecimento global ou questões controversas.
Nem vão ousar ensinar sobre livros considerados ofensivos
por qualquer um na comunidade, como Huckleberry Finn.
O candidato Romney deveria explicar como a
privatização da forma como educamos nossas crianças vai nos fazer atingir o
objetivo de restaurar a promessa da educação norte-americana.
Restaurar sugere uma volta ao
passado.
Quando na história dos Estados
Unidos as escolas foram colocadas a serviço do lucro?
Que estado permitiu isso antes do
advento das escolas gerenciadas privadamente e das corporações da educação online?
Qual dos fundadores do país foi
contra a educação pública?
John Adams, aquele encardido
conservador, disse:
Todo o povo deve assumir a educação
de todo o povo e deve arcar com os custos disso.
Não deve existir um só distrito
de um quilômetro quadrado sem uma escola, não financiada pela caridade
individual, mas mantida a expensas de todos.
Restaurar a promessa da educação
norte-americana deveria significar o rejuvenescimento das escolas públicas, não
a destruição delas.
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