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Carta
Capital n˚ 708
Valerioduto – O ministro Gilmar Mendes
aparece entre os beneficiários do caixa 2 da campanha da reeleição de Eduardo
Azeredo em 1998, operado por Marcos Valério
Na quinta-feira 2, quando se iniciar o julgamento
do chamado mensalão no STF, Gilmar Mendes estará com sua toga ao lado dos dez
colegas da Corte. Seu protagonismo nesse episódio está mais do que evidenciado.
Há cerca de um mês, o ministro tornou-se o assunto principal no País ao
denunciar uma suposta pressão do ex-presidente Lula para que o STF aliviasse os
petistas envolvidos no escândalo, “bandidos”, segundo a definição de Mendes.
À época, imaginava-se que a maior preocupação do
magistrado fosse a natureza de suas relações com o bicheiro Carlinhos Cachoeira
e o ex-senador Demóstenes Torres. Mas isso é o de menos. Gilmar Mendes tem
muito mais a explicar sobre as menções a seu nome no valerioduto tucano, o
esquema montado pelo publicitário Marcos Valério de Souza para abastecer a
campanha à reeleição de Eduardo Azeredo ao governo de Minas Gerais em 1998 e
que mais tarde serviria de modelo ao PT. O nome do ministro aparece em uma
extensa lista de beneficiários do caixa 2 da campanha. Há um abismo entre a
contabilidade oficial e a paralela. Azeredo, à época, declarou ter gasto 8
milhões de reais. Na documentação assinada e registrada em cartório, o valor
chega a 104,3 milhões de reais. Mendes teria recebido 185 mil.
A lista está metodicamente organizada. Sob o
enunciado “Relatório de movimentação financeira da campanha da reeleição do
governador Eduardo Brandão de Azeredo”, são perfilados em ordem alfabética
doadores da campanha e os beneficiários dos recursos. São quase 30 páginas,
escoradas em cerca de 20 comprovantes de depósitos que confirmam boa parte da
movimentação financeira. Os repasses foram feitos por meio do Banco de Crédito
Nacional (BCN) e do Banco Rural, cujos dirigentes são réus do “mensalão”petista.
Esse pacote de documentos foi entregue na
quinta-feira 26 à delegada Josélia Braga da Cruz na Superintendência da Polícia
Federal em Minas Gerais. Além de Mendes, entre doadores e receptores, aparecem
algumas das maiores empresas do País, governadores, deputados, senadores,
prefeitos e o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. A papelada desnuda o
submundo das campanhas eleitorais inalcançado pela Justiça. Há registros de
doações de prefeituras, estatais e outros órgãos públicos impedidos por lei de
irrigar disputas políticas.
Os pagamentos foram feitos pela SMP&B
Comunicação, empresa do ecumênico Marcos Valério de Souza. Todas as páginas são
rubricadas pelo publicitário mineiro, com assinatura reconhecida em cartório no
final do documento datado de 28 de março de 1999. Há ainda uma declaração
assinada por Souza de 12 de setembro de 2007 e apresentada à Justiça de Minas
Gerais. Souza informa um repasse de 4,5 milhões de reais a Azeredo. Intitulado
“Declaração para fins de prova judicial ou extrajudicial”, o documento de
apresentação assinado pelo publicitário afirma que o depósito milionário a
favor de Azeredo foi feito “com autorização” dos coordenadores financeiros da
campanha tucana Cláudio Roberto Mourão e Walfrido dos Mares Guia. As origens da
quantia, diz o texto, são o Banco do Estado de Minas Gerais (bemge), Banco
Rural, Comig (atual Codemig, estatal de infraestrutura mineira), Copasa
(companhia estadual de saneamento), Loteria Mineira (estatal de loterias) e as
construtoras Andrade Gutierrez e ARG, “conforme declaração de reembolso
assinada pelo declarante”.
Segundo a papelada, Souza afirma ter elaborado a
lista em comum acordo com Mourão, principal tesoureiro da campanha de Azeredo,
no mesmo dia 28 de março de 1999 que consta ao lado de sua assinatura. Chamada
formalmente de “Relatório de movimentação financeira”, a lista teria sido
montada “sob a administração financeira” das agências SMP&B Comunicação e
DNA Propaganda. No fim, o publicitário faz questão de isentar o lobista Nilton
Monteiro, apontado como autor da famosa lista de Furnas, de ter participado da
confecção do documento.
Monteiro provavelmente tem alguma ligação com a
história. Há muitas semelhanças entre os dois documentos. A lista de Furnas,
cuja autenticidade foi comprovada pela perícia técnica da Polícia Federal,
igualmente trazia uma lista de nomes de políticos, a maioria do PSDB e do
ex-PFL (atual DEM), todos beneficiados por recursos de Caixa 2. Além de
Monteiro, assinava o documento Dimas Toledo, ex-diretor de Furnas, que até hoje
nega ter rubricado aqueles papéis. A diferença agora são os comprovantes de
depósitos, as autenticações em cartório e uma riqueza de detalhes raramente
vista em documentos desse tipo.
Quem entregou a papelada à Polícia Federal foi Dino
Miraglia Filho, advogado criminalista de Belo Horizonte. Miraglia chegou à
lista por conta de sua atuação na defesa da família da modelo Cristiana
Aparecida Ferreira, assassinada por envenenamento seguido de estrangulamento em
um flat da capital mineira, em agosto de 2000. Filha de um funcionário
aposentado da Companhia Energética de Minas Gerais, (Cemig), Cristiana, de 24
anos, tinha ligações com diversos políticos mineiros. No inquérito policial
sobre o crime, é descrita como garota de programa, mas os investigadores
desconfiam que sua principal ocupação fosse entregar malas de dinheiro do
valerioduto mineiro. Na lista assinada por Souza, ela aparece como beneficiária
de 1,8 milhão de reais, com a seguinte ressalva: “Via Carlos Eloy/Mares Guia”.
Carlos Eloy, ex-presidente da Cemig entre 1991 e
1998, foi um dos coordenadores da campanha de reeleição de Azeredo. É um dos
principais envolvidos no esquema e, segundo Miraglia, pode estar por trás do
assassinato de Cristiana Ferreira. “Não tenho dúvida de que foi queima de
arquivo”, acusa o advogado.
Mares Guia foi ministro do Turismo no primeiro
governo Lula e coordenou a fracassada campanha à reeleição de Azeredo. Apontado
como ex-amante da modelo, o ex-ministro chegou a ser arrolado como testemunha
no julgamento de Cristina, em 2009, mas não compareceu por estar em viagem aos
Estados Unidos. Na ocasião, o detetive particular Reinaldo Pacífico de Oliveira
Filho foi condenado a 14 anos de prisão pelo assassinato. Desde então, está
foragido. “Não há nenhum esforço da polícia mineira em prendê-lo, claro”, diz
Miraglia.
Na lista, Eloy aparece quase sempre como
intermediário dos pagamentos do caixa 2 operado pelo publicitário, mas não
deixa de se beneficiar diretamente. Há quatro depósitos registrados em seu nome
no valor total de 377,6 mil reais. Os intermediários dos pagamentos a Eloy,
segundo a documentação, foram Mourão, Mares Guia, Azeredo, o senador Clésio
Andrade (PMDB-MG) e uma prima do tesoureiro, Vera Mourão, funcionária do
escritório de arrecadação do ex-governador tucano.
Mares Guia, além de aparecer como intermediário de
quase todos os pagamentos, consta como beneficiário de 2,6 milhões de reais.
Sua mulher, Sheila dos Mares Guia (116 mil reais, “via Eduardo Azeredo/Mares
Guias”), e seu filho, Leonardo dos Mares Guia (158 mil reais, “via Eduardo
Azeredo/Mares Guia”), são citados. Na mesma linha segue Clésio Andrade.
Presidente da Confederação Nacional dos Transportes (CNT), Andrade foi
vice-governador do estado no primeiro governo do atual senador Aécio Neves e aparece
como intermediário de centenas de pagamentos.
O documento tem potencial para tornar a situação de
Azeredo, hoje deputado federal, ainda mais crítica. O processo do valerioduto
mineiro está no Supremo sob a guarda do relator Joaquim Barbosa. Ao contrário
de seu similar petista, foi desmembrado para que somente os réus com direito a
foro privilegiado, Azeredo e Andrade, sejam julgados na mais alta Corte. O
destino dos demais envolvidos está nas mãos da 9a. Vara Criminal do Tribunal de
Justiça de Minas Gerais. Na denúncia apresentada ao STF em novembro de 2007
pelo ex-procurador-geral da República Antonio Fernando de Souza, o
ex-governador Azeredo é acusado de ser “um dos principais mentores e principal
beneficiário do esquema implantado”. O deputado tucano foi denunciado por
peculato (apropriação de dinheiro por funcionário público) e lavagem de
dinheiro. “Embora negue conhecer os fatos, as provas colhidas desmentem sua
versão defensiva”, aponta Souza na denúncia. “Há uma série de telefonemas entre
Eduardo Azeredo e Marcos Valério, demonstrando intenso relacionamento do
primeiro (Azeredo) com os integrantes do núcleo que operou o esquema criminoso
de repasse de recursos para a sua campanha”.
O ex-procurador-geral chamou o esquema mineiro de
“laboratório do mensalão nacional”. Outro citado pelo Ministério Público
Federal é Danilo de Castro, secretário estadual no governo Aécio Neves e no
mandato do sucessor, o também tucano Antonio Anastasia. Castro teria recebido,
via Clésio Andrade e Azeredo, 350 mil reais. As origens dos recursos teriam
sido a Cemig, a Comig e a Copasa.
Somam-se 35 registros de valores arrecadados a
partir de órgãos públicos no valor de 14,4 milhões de reais. Apenas no Banco do
Estado de Minas Gerais (Bemge), que Azeredo privatizaria ainda em 1998, saíram
1,2 milhão de reais para a campanha, segundo a lista do publicitário. A
Petrobras teria repassado 1,3 milhão de reais, dos quais 157 mil reais foram
desviados do patrocínio do Enduro Internacional da Independência, um evento de
motociclismo.
A lista encadeia ainda uma arrecadação total de 530
mil reais feita por prefeituras mineiras comandadas por tucanos e aliados
(Governador Valadares, Juiz de Fora, Mariana, Ouro Preto e Ponte Nova). De Juiz
de Fora vieram 100 mil reais repassados pelo prefeito Custódio de Mattos, que
teve um retorno interessante do investimento. Como beneficiário do esquema,
Mattos recebeu 120 mil reais, segundo a lista, embora seu nome apareça em um
dos depósitos do Banco Rural com um valor de 20 mil reais. A discrepância,
nesse e noutros casos, acreditam os investigadores, pode se dever a saques
feitos na boca do caixa. Quem desponta na lista de doadores, sem nenhuma
surpresa, é o banqueiro Daniel Dantas. Foram 4,2 milhões de reais por meio da
Cemig. Desses, 750 mil reais chegaram “via Daniel Dantas/Elena Landau/Mares
Guia” numa rubrica “AES/Cemig”. O dono do Opportunity aparece ainda no registro
“Southern/Cemig” (590 mil reais) ao lado de Elena Landau e Mares Guia, e seu
banco é citado num repasse de 1,4 milhão de reais via Telemig Celular.
Elena Landau foi uma das principais operadoras das
privatizações no governo Fernando Henrique Cardoso. Casada com o ex-presidente
do Banco Central Pérsio Arida, ex-sócio do Opportunity, foi diretora de
desestatização do BNDES. E uma das representantes do grupo Southern Electric
Participações do Brasil, consórcio formado pela Southern, AES e Opportunity.
O banco de Dantas adquiriu, com financiamento do
BNDES, 33% das ações da Cemig em 1997.
O documento entregue à PF lista um total de 13 governadores
e ex-governadores beneficiários do esquema, dos quais sete são do PSDB, quatro
do ex-PFL e dois do PMDB. Os tucanos são Albano Franco (SE, 60,8 mil reais),
Almir Gabriel (PA, 78 mil reais), Dante de Oliveira (MT, já falecido, 70 mil
reais), Eduardo Azeredo (MG, 4,7 milhões de reais), José Ignácio Ferreira (ES,
150 mil reais), Marconi Perillo (GO, 150 mil reais) e Tasso Jereissatti (CE, 30
mil reais).
Do ex-PFL são listados César Borges (BA, 100 mil
reais), Jaime Lerner (PR, 100 mil reais), Jorge Bornhausen (SC, 190 mil reais)
e Paulo Souto (BA, 75 mil reais).
Do PMDB constam Hélio Garcia (MG, 500 mil reais) e
Joaquim Roriz (DF, 100 mil reais).
Na distribuição política, os interessados, segundo
a lista, são quase sempre Azeredo ou Pimenta da Veiga, ex-ministro das
Comunicações e um dos coordenadores das campanhas presidenciais de FHC em 1994
e 1998. Pimenta da Veiga aparece no documento como destinatário de 2,8 milhões
de reais para a “campanha de Fernando Henrique Cardoso”. O ex-presidente está
na lista em outra altura, ao lado do filho, Paulo Henrique Cardoso. À dupla,
diz a lista do valerioduto, teria sido repassado o valor de 573 mil reais, “via
Eduardo Azeredo e Pimenta da Veiga”. Eduardo Jorge, ex-ministro e grão-tucano,
teria recebido 1,5 milhão re reais.
Parlamentares não faltam. A começar pelo deputado
Paulo Abi-Ackel, a quem foram destinados 100 mil reais, segundo registro do
documento. Seu pai, o ex-deputado e ex-ministro da Justiça Ibrahim Abi Ackel,
aparece como destinatário de 280 mil reais. Entre os locais estão os deputados
estaduais Alencar Magalhães da Silveira Junior (PDT), com um registro de
pagamento de 10 mil reais, e Ermínio Batista Filho (PSDB), com 25 mil reais.
Melhor sorte parece ter tido o ex-deputado tucano Elmo Braz Soares,
ex-presidente do Tribunal de Contas de Minas Gerais. Soares, também registrado
nos depósitos da SMP&B, teve direito a uma bolada de 145 mil reais. As
benesses do valerioduto mineiro alcançaram lideranças nacionais do tucanato. Um
deles foi o ex-senador Arthur Virgílio Filho, do Amazonas. Pela lista de Marcos
Valério, Virgílio recebeu 90,5 mil reais do esquema. Outro tucano, o ex-senador
Antero Paes de Barros (MT), ex-presidente da CPI do Banestado, aparece como
beneficiário de 70 mil reais. Também consta da lista o ex-senador Heráclito
Fortes (DEM-PI), conhecido por ter liderado a bancada de Daniel Dantas no
Senado. O parlamentar piauiense teria recebido 60 mil reais. O petista Delcidio
Amaral (MS), ex-tucano e ex-presidente da CPI dos Correios, teria embolsado 50
mil reais.
As acusações também atingem o Judiciário mineiro.
São citados quatro desembargadores no documento, todos como beneficiários do
esquema. Corrêa de Marins (55 mil reais) foi corregedor regional eleitoral,
vice-presidente do Tribunal Regional Eleitoral e presidente do Tribunal de
Justiça. Faleceu em 2009. Rubens Xavier Ferreira (55 mil reais) presidiu o
TJ-MG entre 1998 e 2000. Ângela Catão (20 mil reais) era juíza em 1998 e foi
investigada por crimes de corrupção e formação de quadrilha pela Operação
Pasárgada, da PF. Apesar disso, foi promovida a desembargadora do Tribunal
Regional Federal de Brasília em 2009. A magistrada é acusada de ter participado
de desvios de recursos de prefeituras de Minas e do Rio de Janeiro. Também
juíza à época da confecção da lista, Maria das Graças Albergaria Costa (20 mil
reais) foi do TRE de Minas e atualmente é desembargadora do TJ-MG. Dos
tribunais superiores, além de Mendes consta o ex-ministro do Superior Tribunal
de Justiça (STJ) Nilson Naves (58,5 mil reais).
Um dado a ser considerado é o fato de que, em
janeiro de 2009, Mendes ter concedido o habeas corpus que libertou Souza da
cadeia. Também foi libertado, no mesmo ato, Rogério Lanza Tolentino, que
aparece na lista do valerioduto como beneficiário de 250,8 mil reais “via
Clésio Andrade/ Eduardo Azeredo”. O ministro do Supremo entendeu que o decreto
de prisão preventiva da dupla não apresentava “fundamentação suficiente”.
Chamam a atenção alguns repasses a meios de
comunicação. Entre os beneficiários da mídia aparecem a Editora Abril,
destinatária de 49,3 mil reais “via Clésio Andrade/Usiminas/Mares Guia”, e
Grupo Abril, com o mesmo valor, mas sem a intermediação da Usiminas. Há ainda
um registro de 300 mil reais para a Bloch Editora, assim como um de 5 mil reais
para o Correio Brasiliense. O principal jornal de Brasília não é o único
beneficiário do grupo Diários Associados. O jornal Estado de Minas recebeu 7
mil reais, assim como o jornal mineiro O Tempo (76 mil reais), de propriedade
do ex-deputado tucano Vittorio Medioli que, como pessoa física, segundo a
lista, recebeu 370 mil reais.
As novas informações encaminhadas à Polícia
Federal, acredita Miraglia, não só poderão levar à reabertura do caso da morte
da modelo como podem ampliar a denúncia do valerioduto tucano. O grupo sem foro
privilegiado, sobretudo os intermediários do esquema, ficam mais vulneráveis a
condenações na Justiça comum, como é o caso de Mourão e de sua assistente,
Denise Pereira Landim, beneficiaria de 527,5 mil reais, segundo o documento.
Nos bons tempos, os dois se divertiam alegremente
em passeios de iate ao lado de Cleitom Melo de Almeida, dono da gráfica
Graffar, fornecedora de notas frias do esquema. Almeida aparece como
beneficiário de 50 mil reais. A Graffar, de 1,6 milhão de reais.
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