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15 agosto, 2012

É - Professores em Rede


Os sete pecados mortais da crase
Do meu eterno mestre Édison de Oliveira, em Todo mundo tem dúvida, inclusive você.
É impossível haver crase:
1º) antes de palavra masculina: “Ele está no Rio a serviço”;
2º) antes de artigo indefinido: “Chegamos a uma boa conclusão”;
3º) antes de verbo: “Fomos obrigados a trabalhar”;
4º) antes de expressão de tratamento: “Trouxe uma mensagem a Vossa Majestade”;
5º) antes de pronomes pessoais, indefinidos e demonstrativos: “Nada revelarei a ela, a qualquer pessoa ou a esta pessoa”;
6º) quando o “a” está no singular, e a palavra seguinte está no plural: “Referimo-nos a moças bonitas”;
7º) quando, antes do “a”, existir preposição: “Compareceram perante a Justiça”.
 Estamos “a sua disposição”  ou  “à sua disposição”?
É um caso facultativo. Antes dos pronomes possessivos (minha, tua, sua nossa…), o uso dos artigos definidos é facultativo: “Este é o meu carro” ou “Este é meu carro”; “Aquela é a minha sala” ou “Aquela é minha sala”.
Assim sendo, quando houver a preposição “a” antes de um pronome possessivo feminino singular, restará a dúvida cruel: existe ou não o artigo feminino singular “a” e, consequentemente, a crase? Como o uso do artigo antes do pronome possessivo é facultativo, o uso do acento da crase também o será: “Estamos à sua disposição” ou “Estamos a sua disposição”.
Podemos comprovar tudo isso comparando com a forma masculina: “Estamos ao (= preposição “a” + artigo masculino “o”) seu dispor” ou “Estamos a (= só preposição) seu dispor”.
 Mesmo os doentes PARECE ou PARECEM que estão felizes?
                    O certo é: “Mesmo os doentes PARECE que estão felizes.” O sujeito do verbo PARECER é a segunda oração (=que mesmo os doentes estão felizes).
Em ordem direta, temos: “PARECE que mesmo os doentes estão felizes”. É interessante observar que o termo “os doentes” é o sujeito da segunda oração, do verbo ESTAR (=os doentes estão felizes).
 Ele DISSE ou TINHA DITO que chegaria cedo, mas chegou às 5h?
A diferença entre DISSE e TINHA DITO é o tempo verbal: DISSE está no pretérito perfeito e TINHA DITO, no pretérito mais-que-perfeito do indicativo.
O pretérito perfeito indica uma ação concluída no passado: “Ele disse, saiu, fez…”; o pretérito mais-que-perfeito indica uma ação anterior a outra ação que já está no passado: “Quando eu cheguei (pretérito perfeito = ação já passada), ele já tinha dito ou dissera ou havia dito, tinha saído ou saíra ou havia saído, tinha feito ou fizera ou havia feito (pretérito mais-que-perfeito = ação anterior à ação já passada)”.
Assim sendo, quanto à pergunta do nosso leitor, o mais adequado é: “Ele tinha dito que chegaria cedo, mas chegou às 5h”. A ação de “dizer” é anterior a ação de “chegar”. O pretérito mais-que-perfeito é o passado do passado.
 VIETNÃ ou VIETNAM?
“Por que alguns jornais insistem em grafar o nome do Vietnã na forma usada em inglês Vietnam? Os dicionários que consultei registram até uma variante Vietname, com “e” no final, mas nunca na versão inglesa?”
Meu caro leitor, a grafia de nomes próprios é sempre um assunto polêmico. É briga sem fim. No meio jornalístico, não há tempo a perder. É por isso que cada jornal cria seus padrões. Não estamos, portanto, querendo dizer esta forma seja a correta e que aquela outra esteja errada. É apenas a nossa preferência.
No caso do Vietnam, a nossa preferência se deve ao adjetivo pátrio. Se falamos vietnamita com “m”, e não “vietnanita”, considero o mais lógico é escrever Vietnam com “m”. Só isso.
 OS TUPI ou OS TUPIS?
Reclamação do leitor: “Outro dia escrevi um e-mail questionando o não uso de concordância nominal nos nomes de grupos indígenas no livro de Eduardo Bueno. Infelizmente não obtive resposta.”
É outro assunto polêmico. Os estudiosos das coisas indígenas afirmam que os nomes das nações indígenas não apresentam plural na sua forma original. Deveríamos dizer os tupi, os goitacá, os pataxó, os caeté…
Há, entretanto, aqueles que defendem o aportuguesamento e consequente respeito às nossas regras gramaticais.
Como as línguas indígenas são ágrafas (= sem escrita), a forma escrita só pode ser aportuguesada. Em razão disso, minha preferência é os tupis, os goitacás, os pataxós, os caetés…
Vou tentar responder objetivamente e com a maior simplicidade possível. Aqui no Brasil nós ainda falamos a língua portuguesa. Temos, na minha opinião, um falar brasileiro, que seria um modo brasileiro de usar a língua portuguesa.
É importante lembrar o que afirmaram alguns estudiosos: o professor Antenor Nascentes não falava em língua brasileira e sim em “idioma nacional”; o mestre Gladstone Chaves de Melo falava em língua comum e variantes regionais; e o grande filólogo Serafim da Silva Neto afirmou que o português culto do Brasil é quase igual ao português culto de Portugal. Isso significa, portanto, que as diferenças maiores estão na linguagem do dia a dia.
No livro A língua portuguesa e a unidade do Brasil, o mestre Leodegário de Azevedo Filho resume bem: “Em poucas palavras, existe unidade na variedade de normas e de usos linguísticos. E isso porque, se os morfemas gramaticais permanecem os mesmos, a língua não mudou, a despeito de qualquer variação de pronúncia, de vocabulário ou mesmo de sintaxe.”
O que existe na verdade são variantes linguísticas:
a)    variantes geográficas: nacionais (Brasil, Portugal, Angola…) e regionais (falar gaúcho, mineiro, baiano, pernambucano…);
b)    variantes socioeconômicas (vulgar, popular, coloquial, culto…);
c)    variantes expressivas (linguagem da prosa, linguagem poética).
Quem estiver interessado em ver o assunto analisado com maior
profundidade poderá consultar os respeitadíssimos Celso Cunha e Lindley Cintra, na Nova Gramática do Português Contemporâneo, e a Moderna Gramática Portuguesa do nosso querido e eterno mestre Evanildo Bechara.
O importante mesmo é respeitar as diferenças, sejam fonéticas, semânticas ou sintáticas. Vejamos rapidamente algumas diferenças entre o português do Brasil e o de Portugal.
Uma diferença fonética bem perceptível é a pronúncia das vogais. Aqui no Brasil, nós pronunciamos bem todas as vogais, sejam tônicas ou átonas. Em Portugal, a tendência é só pronunciar bem as vogais tônicas. As vogais átonas são verdadeiramente átonas (=fracas). Uma consequência disso é a colocação dos chamados pronomes átonos (me, te, se, o, lhe, nos…). Em Portugal, por ter a pronúncia fraca, não se põe o pronome átono no início da frase: “Dê-me um cigarro”; no Brasil, como as vogais átonas são pronunciadas como se fossem tônicas, não temos nenhuma dificuldade em pôr os pronomes átonos no início da frase: “Me dá um cigarro”. É assim que o brasileiro fala. E quando me refiro ao brasileiro, estou falando do brasileiro em geral, de todos os níveis sociais e culturais. Não estou fazendo referência ao “povo” com aquela conotação pejorativa e discriminatória que alguns ainda atribuem à palavra. Absurdo é considerar “erro” o uso dos pronomes átonos no início da frase.
Diferenças semânticas existem muitas. Algumas famosas já viraram até piada. Em Portugal, “uma bicha enorme” não é nada mais do que “uma fila imensa”, sem nenhuma outra conotação que algum brasileiro queira dar.
E diferenças sintáticas também existem. No Brasil, nós preferimos o gerúndio (“Estamos trabalhando”); em Portugal, preferem o infinitivo (“Estamos a trabalhar”). No Brasil, gostamos da forma “você”; em Portugal, usam mais o pronome “vos”: “Se eu lesse para você” e “Se eu vos lesse”. Aqui “falar consigo” é “falar com si mesmo”; em Portugal “falar consigo” é “falar com você”. Em Portugal, é frequente o uso de “mais pequeno”; no Brasil, aprendemos que o certo é falar “menor”, que “mais pequeno” é “errado”.
E assim voltamos ao ponto de partida: a eterna briga do certo e do errado. Espero que me perdoem pela repetição, mas não é uma questão simplista de certo ou errado. É uma questão de adequação. Usar “mais pequeno” no Brasil é tão inadequado quanto iniciar uma frase com um pronome átono em Portugal.
Por que eu teria de afirmar que alguém está falando “errado” quando o carioca fala “sinal”, o paulista prefere “farol” e o gaúcho usa “sinaleira”? Afinal das contas, é tudo semáforo.

Segue ANEXO ou ANEXA?
O termo ANEXO é um adjetivo. Deve, portanto, concordar em gênero e número com o substantivo a que se refere:
Segue anexo o relatório;
Segue anexa a nota fiscal;
Seguem anexos os relatórios;
Seguem anexas as notas fiscais.
Em textos que exijam uma linguagem formal, alguns autores sugerem que evitemos o uso da expressão “em anexo”. Isso é uma questão de preferência, e não de certo ou errado.

Não sabia o que FIZESSE ou o que FAZER?
Pergunta de leitor: “No interior do Maranhão e no Nordeste em geral, dizemos ‘Eu não sabia o que fizesse’. No Rio e no Sul geralmente dizem ‘Eu não sabia o que fazer’. Cheguei a pensar que esta última fosse a expressão correta, mas José de Alencar (nordestino), no romance Senhora (Coleção Prestígio-Ediouro-33ª edição-1996-página 126, linha 13), pelo menos duas vezes, emprega o “fizesse”. Qual é a forma correta?”
Não é uma questão de certo ou errado. Você mesmo já descobriu a resposta. Temos aqui uma construção típica da fala nordestina. José de Alencar talvez tenha sido o primeiro autor brasileiro a se preocupar com a linguagem brasileira. Em sua vasta obra literária, é frequente a presença de algumas estruturas típicas do português falado no Brasil.
É importante lembrar, entretanto, que num texto em que se exija a linguagem padrão, devemos usar o infinitivo: “Eu não sabia o que fazer”.
qua, 01/08/12
por Sérgio Nogueira |
O USO DOS ESTRANGEIRISMOS
Quando o assunto são os estrangeirismos, é briga na certa. Metade a favor, metade contra.
Como eu mesmo já disse várias vezes, é muito difícil ser moderado nesta terra. Consegue-se desagradar aos dois lados.
Os puristas radicais querem que eu assuma uma posição mais firme contra a invasão de termos ingleses. Chegam a propor leis como a que existe na França, que proíbe o uso de termos estrangeiros.
No outro extremo, estão aqueles que “topam tudo”, que adoram um atendimento VIP, assistir a um talk show, ver o replay da jogada, dar um clik, fazer um check-up, ser um bad boy ou talvez um gay, sugerir um brainstorm, pedir um briefing, fazer um coffee break, sair para a night e ficar no maior love.
Uma leitora que é contra o uso excessivo dos anglicismos criou, com muita ironia, um convite cheio de palavras e expressões inglesas tão usuais entre nós.
Por falta de espaço, vou reproduzir apenas alguns trechos do texto:
“Faço um convite a todos que amam a língua portuguesa (…)  passarmos um weekend juntos em qualquer point (…) na praia, sem topless (…) assistir a um jogo de beach soccer (…) beber um ice tea. (…) ler no jornal o que há de novo no setor de business ou ler a coluna de alguma socialite (…) e saber o que está in ou out no momento. Na hora do almoço, uma comidinha light, com um refrigerante diet (…) ao lavar as mãos, não esqueça que push é empurre (…) e na hora da conta pagar cash em vez de usar ticket. Após (…) no carro com air bag, parar num self service e aproveitar o oil express (…). Iremos a um shopping (…) assistiremos a um filme com happy end (…) comeremos um hot dog… Ao sairmos, devemos procurar por EXIT. Podemos também ir a uma livraria (…) comprar um best seller (…) ler numa revista especializada sobre os designers de novos carros (…) descobrir o hobby de um pop star (…) ou o show de algum cover…
Sei que será difícil, mas nada que um bom trabalho de marketing não resolva. Poderemos criar um poderoso slogan e um jingle bem divertido. Isso sem contar nos outdoors espalhados pelo país. All right?”
Não é preciso um esforço sobrenatural para comprovarmos a abusiva presença de palavras inglesas na nossa linguagem cotidiana. Algumas são inevitáveis e consagradas como topless, show e marketing. A maioria, entretanto, é puro modismo.
Impossível é criar uma regra. É muito subjetivo. Que palavras ou expressões estrangeiras são aceitáveis? Quais devem ser traduzidas? Play off ou “melhor de três” ou “fase decisiva” ou “mata-mata”? Shopping ou centro comercial? Know how ou “conhecimento”? Topless ou “???”? E quais devem ser aportuguesadas? Black out ou blecaute? Layout ou leiaute? Stress ou estresse? Air bag ou “erbegue”? On-line ou “onlaine”?
Não vejo uma solução definitiva. É briga na certa.
Por isso tudo, mantenho a minha posição moderada. Nada de radicalismos. Cada caso merece uma análise individual.
Em geral adoto o seguinte critério: 1o) se for possível, a tradução: futebol de areia (beach soccer), autoatendimento (self service); 2o) se for possível, o aportuguesamento: blecaute, estresse; 3o) se não for possível traduzir nem aportuguesar, a palavra estrangeira é bem-vinda: dumping, ranking, software, marketing…
BIFÊ ou BUFÊ?
A língua francesa forneceu um grande número de palavras à língua portuguesa. A maioria já foi devidamente aportuguesada. Assim, a palavra francesa buffet foi aportuguesada para bufê (= escreve-se com “u” pronunciado como “u” mesmo).
A realidade, porém, é que no Brasil existe uma incontestável preferência pela forma original francesa: buffet. Será que temos aqui algum tipo de preconceito? Do tipo BUFÊ é coisa de pobre? Espero que não.
Vejamos outras palavras francesas que já foram aportuguesadas: avalancha, boate, batom, buquê, balé, cabina, camionete ou camioneta, chassi, chique, conhaque, guidom ou guidão, marrom, vermute…
DESINTERIA ou DESENTERIA ou DISENTERIA?
Carta do leitor: “Navegando pela sua página, observei um pequeno equívoco. Assim está escrito: ERRADO: ‘Estava com desinteria’. CERTO: ‘estava com desenteria’. Não seria disenteria?”
O nosso leitor está certíssimo. O mau funcionamento dos intestinos, a inflamação intestinal é DISENTERIA.
O prefixo “dis” significa “dificuldade, mau funcionamento”. É o mesmo que aparece em DISFAGIA (=dificuldade na deglutição, para comer); DISPEPSIA (=dificuldade de digerir, na digestão); DISLALIA (=dificuldade na fala, na dicção); DISPNEIA (=dificuldade na respiração); DISRITMIA (=distúrbio de ritmo)…
É importante lembrar que o estudo do intestino e das suas funções é a ENTEROLOGIA (do grego énteron = interior, intestino). Daí o famoso o enteroviofórmio, aquele “remedinho” de tristes lembranças.
MADRUGADA DE DOMINGO ou DE SÁBADO PARA DOMINGO?
É comum ouvirmos: “O jogo será na madrugada de sábado para domingo.”
Rigorosamente não existe madrugada de sábado para domingo.
Basta dizer: “O jogo será na madrugada de domingo.” Madrugada é o intervalo de tempo correspondente às últimas horas da noite, antes do nascer do Sol (=entre a meia-noite e, aproximadamente, as 6h da manhã).
A NÍVEL DE  ou  EM NÍVEL?
A expressão “a nível de” é um dos piores modismos criados nos últimos tempos. Além da preposição “a”, que deve ser substituída por “em”, somos obrigados a conviver com o maldito “nível” em situações absurdas, pois não há níveis: “A nível de debate…”; “…a nível de relatório…”; “…a nível de sentimento…”; “…a nível de espiritualidade…”.
É interessante observar que quem usa a expressão “a nível de” ainda faz pose: deve achar que está falando um português “belíssimo”.
A expressão EM NÍVEL DE é correta, mas só pode ser usada se houver “níveis”: “O problema só pode ser resolvido em nível de diretoria”; “A situação será analisada em nível federal”.
Quanto ao mar, é aceitável dizer “ao nível do mar” ou “no nível do mar”.
 ANTE AO EXPOSTO ou ANTE O EXPOSTO?
Carta do leitor: “É comum em sentenças dos juízes usar a forma ‘ante ao exposto, julgo procedente a ação’. Os juízes portugueses também usam o ATÉ: ‘…até ao fim”. Já consultei um professor, e ele disse-me que o correto é ‘ante o exposto’. Segundo ele, é que não se pode usar duas preposições.”
Eu também não gosto de usar duas preposições: “ante ao exposto”, “até ao fim”, “para com”. “por entre”, “por sobre”…
O problema é usarmos o velho conceito de certo ou errado. A verdade é que, em Portugal, é frequente o uso de duas preposições: “ante ao exposto”, “ir até ao fim”. Não é, portanto, uma questão de estar errado. É, a meu ver, um problema de estilo, de uso.
Assim sendo, a minha preferência é:
“Ante o exposto, julgo procedente a ação”;
“Ele foi até o fim”;
“É preciso ter respeito pelo adversário” (em vez de ‘para com o adversário’);
“Passou a bola entre as pernas” (e não ‘por entre as pernas’);
“Chutou a bola sobre o travessão” (e não por sobre o travessão).
UM ÓCULOS ou UNS ÓCULOS?
Carta do leitor: “Pior do que dizer ‘um óculos’, que se ouve de conceituado show-man (perdão!) da televisão e equipa um médico em hospital dos Estados Unidos, é, penso, o abuso de expressões da língua inglesa, sem aspas, de permeio com outras tantas do nosso vernáculo.”
Li num bom jornal: “O médico coloca um capacete equipado com um óculos especial que …”
A palavra óculos só apresenta forma plural. É o mesmo caso de “núpcias, pêsames, parabéns…” O certo, portanto, é “…equipado com óculos especiais…”. Não se deve dizer “o óculos escuro quebrou”, e sim “os óculos escuros quebraram”.
EXOTÉRICO ou ESOTÉRICO?
Vejamos o que diz o dicionário “Aurélio”:
EXOTÉRICO: “Diz-se de ensinamento que, em escolas da antiguidade grega, era transmitido ao público sem restrição, dado o interesse generalizado que suscitava e a forma acessível em que podia ser exposto, por se tratar de ensinamento dialético, provável, verossímil.”
ESOTÉRICO: “Diz-se do ensinamento que, em escolas filosóficas da antiguidade grega, era reservado aos discípulos completamente instruídos; todo ensinamento ministrado a círculo restrito e fechado de ouvintes; compreensível apenas por poucos, obscuro, hermético.”
ESOTERISMO: “1. Doutrina ou atitude de espírito que preconiza que o ensinamento da verdade (científica, filosófica ou religiosa) deve reservar-se a número restrito de iniciados…; 2. Designação que abrange um complexo conjunto de doutrinas práticas e ensinamentos de teor religioso e espiritualista, em que se confundem influências de religiões orientais e ciências ocultas, associadas a técnicas terapêuticas, e que, supostamente, mobilizam energias não integrantes da ciência e que visam a iniciar o indivíduo no caminho do autoconhecimento, da paz espiritual, da sabedoria, da saúde, da imortalidade…”
Respondendo diretamente às perguntas dos leitores:
1o) Realmente existem as duas palavras. A diferença básica é que ESOTÉRICO refere-se a ensinamento para grupos restritos, e EXOTÉRICO para o público em geral, sem restrições.
 DESAFIOS
1º) Qual é a forma correta?
a) A reunião será amanhã  AS  ou  ÀS 8h ?
b) A reunião será  A  ou  À  partir das 8h ?
c) A reunião só começará após  AS  ou  ÀS 8h ?
Respostas:
a) A reunião será amanhã às 8h;
b) A reunião será a partir das 8h;
c) A reunião só começará após as 8h.

2º) Se pousar na terra é aterrissar ou aterrizar, quero saber como seria:
a) pousar no mar;
b) pousar na Lua.
Respostas:
a) amerissar
b) alunissar.
SERÁ VERDADE?
Passeia pela internet uma nova lista de “asneiras jornalísticas”. Não tem paternidade (como sempre) e as frases são atribuídas à imprensa portuguesa, o que não é verdade. Eu já conhecia metade dos casos. São quase os mesmos de outra lista que já foi parcialmente apresentada aqui na Aula Extra. Naquela lista, os exemplos eram atribuídos a jornais cariocas.
A falta de paternidade acaba permitindo afirmações duvidosas e imprecisas. Eu nem acredito que todas as frases da lista tenham sido publicadas por algum jornal, mas não deixam de ser interessantes. No mínimo, valem pela criatividade dos seus autores.
Vejamos:
1)    “Parece que ela foi morta pelo seu assassino.”
Ainda bem que não tem certeza!
2)    “O acidente pode ter sido no tristemente célebre retângulo das Bermudas.”
Não sei se é uma dívida geométrica ou geográfica…
3)    “O acidente fez um total de um morto e três desaparecidos. Teme-se que haja vítimas.”
É que as vítimas não devem ser parentes de quem escreveu.
4)    “O acidente provocou uma forte comoção em toda a região, onde o veículo era bem conhecido.”
Era um “veículo” bem popular, muito querido na região. Será julgado pelo Departamento de Trânsito e, se condenado, ficará preso no depósito municipal.
5)    “Quatro hectares de trigo foram queimados. A princípio, trata-se de um incêndio.”
Só a princípio. No fim, vão descobrir que foi enchente.
6)    “O aumento da inflação foi de 0% em novembro.”
Foi um aumento semelhante ao do salário mínimo.
7)    “O presidente de honra é um septuagenário de 81 anos.”
Pior é aquele que pensa que sexagenário é o velhinho que ainda faz sexo.
8)    “Ferido no joelho, ele perdeu a cabeça.”
E ficou de cabelo em pé.
9)    “As circunstâncias da morte do chefe de iluminação permanecem bastante obscuras.”
Porque as provas do crime já foram enterradas.
10) “A conferência sobre prisão de ventre foi seguida de um farto almoço.”
Logo após, houve uma grande corrida aos banheiros. Assim, foi possível pôr em prática as técnicas aprendidas na conferência.
11) “É uma bela peça musical, de onde parecia exalar toda a fria tristeza da estepe gelada. Foi executada com um calor magistral.”
Metade da orquestra ficou resfriada devido à violenta variação de temperatura.
12) “Apesar de a meteorologia estar em greve, o tempo esfriou ontem intensamente.”
O sindicato dos meteorologistas ficou decepcionado com o tempo que não aderiu ao movimento de paralisação.
13) “Os quatro artistas formam um trio de talento.”
Deve ser o famoso quarteto “Trio los dos”, no qual cantava “solamente yo”.
Não sei distinguir entre o que foi realmente publicado e o que foi inventado. Importante é que diverte um pouco.
O próximo exemplo, porém, é verdadeiro. Um portal de notícias informou: “Bombeiro ajuda grávida a dar à luz por telefone”. É lógico que a ajuda é que foi por telefone, mas dar à luz por telefone poderia ser “algum avanço da ciência”…
O último caso ninguém me contou. Eu ouvi muito bem. Aconteceu há muito tempo numa transmissão de um jogo da seleção brasileira de futebol de areia, ou de “beach soccer” como preferia o comentarista que soltou a “pérola”: “O Neném começou a correr mais com a entrada do Júnior Negrão atrás”. E ele queria o quê?

CRÍTICA DO LEITOR
“Gostaria de chamar atenção para o correto sentido da palavra DESCRIMINAR, que na sua coluna foi explicada como “inocentar de um crime”. Inocentar é absolver. DESCRIMINAR significa “deixar de considerar crime um determinado ato que hoje é considerado como tal”. Portanto, correto não seria “o projeto queria descriminar o usuário de maconha”, e sim o projeto queria “descriminar o uso da maconha”.
O nosso leitor tem razão. Se prezamos o uso preciso das palavras, devemos “descriminar o uso, e não o usuário”.
Caso semelhante ocorre com o verbo CASSAR (=anular). Não se “cassa o prefeito”. O que se cassa é o mandato do prefeito.
 DÚVIDA DO LEITOR E MINHA
ENFEZADO = CHEIO DE FEZES?
“Costuma-se usar a expressão ENFEZADO, quando queremos falar do nosso estado de aborrecimento. Não há nenhuma outra menção no Aurélio, mas fico me perguntando se a construção da palavra tem alguma relação com intestino cheio, prisão de ventre, que também nos dá o mesmo estado de ânimo, ou seja, nos deixa irritados, aborrecidos, ENFEZADOS. Alguma relação?”
Não é a primeira vez que ouço falar dessa história: ENFEZADA estaria a pessoa com prisão de ventre, ou seja, cheia de FEZES. Pode até ser verdade, mas os nossos dicionários não mencionam essa possível relação.
Só registram ENFEZADO como “aborrecido, irritado”.
A PALAVRA EXISTE OU NÃO?
Quem lê esta coluna com certa frequência bem sabe como detesto reduzir fatos linguísticos a discussões simplistas do tipo certo ou errado. Outro tipo de pergunta muito frequente é se uma determinada palavra existe ou não. E aqui temos um problema bem interessante para resolver.
A pergunta pode parecer boba, mas eu quero entender melhor o que significa uma palavra não existir. É a palavra que alguém inventa mas ninguém usa nem aparece registrada em nossos dicionários ou seria aquela palavra que muita gente usa embora não esteja no dicionário? Se a resposta for a segunda opção, estaremos diante de um novo problema: qual dicionário?
Sabemos muito bem que, para o brasileiro em geral, quando se fala em dicionário, só pode ser o Aurélio. Isso não significa que seja o único ou necessariamente o melhor. Estou apenas constatando um fato. Eu mesmo nesta coluna tenho citado outros dicionários: Houaiss, Michaelis, Larousse, Globo, Caldas Aulete, Ruth Rocha, Antenor Nascentes… Por uma questão de justiça e honestidade intelectual, outras fontes devem ser pesquisadas e citadas. A verdade, no entanto, é que, para a maioria, na hora da dúvida, quem decide é o Aurélio.
Por causa disso, quero deixar um alerta: cuidado com as novas edições do Aurélio! As últimas edições trazem algumas novidades.
Vejamos o exemplo do verbo penalizar.
Sempre ensinei, porque assim aprendi, que penalizado não era sinônimo de punido. Segundo o dicionário Michaelis, penalizar é “causar pena ou dó a, sentir grande pena, sobrecarregar de modo penoso”. Assim sendo, uma pessoa penalizada só poderia ser aquela “que sentia muita pena de alguém ou de alguma coisa”: “Ela ficou penalizada diante da miséria humana”.
Alguns leitores me alertaram para o novíssimo Aurélio. É verdade. Lá está: “penalizar. 1. Causar pena ou desgosto a (…) 2. Infligir pena a ‘O juiz penalizou o time’. (…)”. Se alguém não percebeu, eu explico: “infligir pena a” significa “aplicar pena” ou, em outras palavras, PUNIR.
O nosso grande Aurélio libera, portanto, o uso de penalizar como sinônimo de punir. Confesso que tenho um pouco de dificuldade. Afinal, foram tantos anos… Vou continuar penalizado pelo sofrimento de tantos brasileiros e revoltado porque muitos safados ainda não foram punidos.
Prometo, por outro lado, não mais criticar quem usar penalizado em vez de punido. Quando alguém disser que o jogador foi penalizado com cartão vermelho, juro que não direi nada. Só pensarei baixinho: que coisa horrorosa!
DISPONIBILIZAR ou TORNAR DISPONÍVEL?
Certa vez recebi um e-mail de um ex-aluno, na verdade um participante dos meus cursos de redação empresarial para executivos. Ele me deixou o seguinte recado: “…lembro bem o senhor ter nos ensinado que não deveríamos usar o verbo disponibilizar porque não existia em nossos dicionários (…) fiquei surpreso pois o novíssimo Aurélio registra o nosso “amado” disponibilizar. Que devemos fazer?”
O ex-aluno e agora leitor tem razão. Os meus leitores já sabiam disso, pois já escrevi sobre esse caso.
O curso de que fala o nosso leitor foi para Auditores da Qualidade. Já faz mais de dez anos.
Nos meus cursos, quando analiso o uso de neologismos, sempre faço algumas observações:
1a) nada impede que um neologismo que hoje não aparece em nossos dicionários venha a ser devidamente “dicionarizado” (foi o que aconteceu com o disponibilizar);
2a) o fato de uma palavra não estar registrada em nossos dicionários não significa que estejamos proibidos de usá-la.
É interessante lembrar o caso da palavra “não conformidade”, até hoje sem registro algum, nem no novíssimo Aurélio. O meu querido ex-aluno deve estar lembrado do que ensinei: “Como pode um auditor da qualidade escrever um relatório de não conformidades sem usar a palavra não conformidade? Tenho a certeza de que a palavra estará presente em futuras edições de nossos dicionários”.
Isso significa que não sou contrário a um neologismo pelo simples fato de ele não estar no dicionário. Continuo a favor do uso técnico da palavra “não conformidade” (=descumprimento de um requisito especificado), embora ainda não esteja registrada em nenhum dicionário.
Quanto ao disponibilizar, apesar de aparecer nas últimas edições dos nossos principais dicionários, continuo não gostando. É modismo e é usado exageradamente. Não posso, é claro, considerar erro o uso do verbo disponibilizar. Não só porque já está devidamente dicionarizado, mas principalmente porque sou contrário a essa história de certo ou errado.
Além do mais, você se referiu ao verbo como “amado disponibilizar”. Quem sou eu para atrapalhar essa relação tão bonita? Se eu era o estorvo, sinta-se liberado. Pode externar livremente os seus sentimentos e use o disponibilizar à vontade. Só não abuse: você pode ficar tão enjoado quanto eu.

DÚVIDAS DOS LEITORES
TACHA  ou  TAXA?
TACHAR  ou  TAXAR  ou  TACHEAR?
TACHATIVO  ou  TAXATIVO?
 ACHA = espécie de prego; ou mancha, defeito moral; ou tacho grande;
TAXA = tributo; ou razão de juro;
TACHAR = acusar, censurar, pôr defeito em (“Ele foi tachado de corrupto”);
TAXAR = fixar ou determinar uma taxa, um tributo (“Estes serviços não serão taxados pelo governo”);
TACHEAR = pregar tachas (preguinhos) em (“É um sofá todo tacheado”);
TACHATIVO (não há registro em nossos dicionários);
TAXATIVO = que taxa, que limita; restritivo; definitivo (“O diretor foi taxativo ao afirmar que…”).
MEIO  ou  MEIA?
1)    A palavra meio, quando significa “metade”, é numeral. Deve concordar com o substantivo a que se refere: “Bebeu meio litro de uísque”; “Bebeu meia garrafa de cerveja”; “Leu um capítulo e meio”; “Leu uma página e meia”; “É uma hora e meia”; “É meio-dia e meia (hora)”…
2)    A palavra meio, quando significa “mais ou menos”, é advérbio de intensidade. Os advérbios são palavras invariáveis (=não se flexionam em gênero e número): “A aluna ficou meio nervosa”; “Os clientes saíram meio satisfeitos”; “A atleta está meio cansada”; “Ela é meio poderosa”…
-> A dúvida
Pergunta do leitor: “Lendo recentemente um conto de Machado de Assis (Capítulo dos Chapéus), deparei-me com a seguinte frase: …foi à sala de visitas, chegou à janela meia aberta, viu… Pensei tratar-se de um erro de revisão, mas em um outro conto (Casa Velha), deparei-me com frase semelhante. Custa-me crer que Machado de Assis tenha cometido tal erro. Em que ocasiões pode meia ser usada? Meia ou meio cansada?”
Rigorosamente, segundo as regras da gramática tradicional, os advérbios não se flexionam (= sem feminino, sem plural): “ela está meio cansada” e “a janela está meio aberta”.
Não sei se houve erro de impressão ou se o grande Machado cometeu um erro gramatical. E não estou muito preocupado com isso. Já disse muitas vezes: não devemos reduzir fatos linguísticos a discussões simplistas de certo ou errado.
Não sou adepto da “teoria da exceção”. Respeito o fato de uma palavra ou alguma estrutura sintática ter sido citada ou usada por um ou outro autor. Isso não significa, entretanto, que eu também vá usar ou ensinar aos meus alunos.
Se ninguém diz que “ela está muita cansada ou pouca cansada” e que poucos dizem “meia cansada”, prefiro seguir a maioria: “ela está meio cansada”, porque não está “muito cansada” nem “pouco cansada”.
-> Outra dúvida
Outro leitor comenta: “Machado de Assis estava certo ao escrever ‘janela meia aberta’. Você não acha que ele quis dizer que a janela estava aberta pela metade ou então que tinha a metade aberta?”
Não é a primeira vez que leio essa interpretação. Pode até ser verdadeira, mas acredito mesmo que tenha havido o que alguns autores hoje chamam de “concordância atrativa” (= é feita por proximidade em vez de seguir a lógica gramatical). Isso significa que o advérbio “meio” estaria concordando com o adjetivo “aberta” devido à proximidade.
Isso explicaria também o caso do “meia cansada”. Aqui fica muito difícil sustentar a ideia de “metade”. Se a pessoa ficou “meia cansada”, certamente não ficou “metade” cansada.

ESTADIA ou ESTADA?
Sempre ensinei que estadia é “o período em que o navio fica no porto para carga e descarga” e estada é “o ato de estar, permanência”.
Sempre brinquei em minhas aulas: “quando entro num hotel e me desejam um boa estadia, eu me sinto um navio, mas…tudo bem. O importante é ser bem tratado durante a estada no tal hotel”.
Juro que é última vez que direi tal “gracinha”. Eu sei que o novíssimo Aurélio considera estadia sinônimo de estada, permanência. Sendo mais justo ainda: o dicionário Michaelis já dizia isso há mais tempo.
Isso significa, portanto, que estada e estadia, no sentido de “permanência”, são sinônimos. Para os navios, só vale a estadia.

ATERRIZAR ou ATERRISSAR?
O velho dicionário Caldas Aulete só registrava a forma aterrissar. No entanto, a forma aterrizar já está devidamente registrada no Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, publicado pela Academia Brasileira de Letras, e por vários dicionários, entre eles o próprio Aulete digital, o Houaiss, o Michaelis e o Aurélio.
Aqui não há mais discussão. As duas formas são totalmente aceitáveis.

MAU-OLHADO ou MAL-OLHADO?
As duas palavras existem, mas apresentam significados diferentes:
a)    mal-olhado = adjetivo, é o “que não é bem visto, bem aceito; malvisto;
detestado, odiado” (Dicionário Michaelis).
b)    mau-olhado = substantivo, é a “qualidade que a crendice popular atribui
a certas pessoas de causarem desgraças àquelas para quem olham”.
Observação: o adjetivo mal-olhado não aparece no dicionário Aurélio, mas está registrado no dicionário Michaelis e no Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa da ABL.
Publicamos outro dia nesta coluna: “Não há crase antes de palavra masculina”. Entre os comentários recebidos estava uma crítica de um leitor. Veja: “Acredito que há exceção a esta regra, tanto no que se refere a expressões que denotam modo/moda (Filé à Osvaldo Aranha) quanto no uso do pronome demonstrativo “aquele” com verbo que peçam a preposição “a” (Dedicou-se àquele amor por toda a vida).”
Os exemplos analisados pelo leitor estão corretíssimos. Devemos usar o acento da crase nos dois casos.
Quando dizemos que não há crase antes de palavras masculinas, estamos fazendo referência ao caso mais frequente da crase (preposição “a” + artigo definido feminino “a”). Antes de palavra masculina, é impossível haver o artigo definido feminino: “Andar a pé”; “Vender a prazo”; “Falar a respeito disso”.
Não devemos confundir uma “dica” com regras. Os dois exemplos citados pelo leitor não são exceções. São apenas casos diferentes.
 PERCENTAGEM  ou  PONTO PERCENTUAL?
Leitor quer saber: “Qual é o significado de 2 pontos percentuais? Não seria simplesmente 2%?”
Percentagem e ponto percentual não são sinônimos. Não tenho culpa. É a “matemática” da vida.
Vou responder com um exemplo bem simples. Vamos imaginar que a inflação subiu de 2% para 4%. Isso significa que a inflação subiu 100% ou 2 pontos percentuais.
Vejamos outro caso. A inflação subiu de 2% para 3%. Agora o aumento foi de 50% ou de 1 ponto percentual.
 0,5 PONTO  ou  PONTOS?
Leitor quer saber se a concordância se faz no singular ou no plural.
Vou responder com uma pergunta: como você diria se fosse 1,5? A maioria diria “um ponto vírgula cinco” ou “um ponto e meio”. Para 2,5, diríamos “dois pontos vírgula cinco” ou “dois pontos e meio”. Parece claro que o ponto se refere ao número que vem antes da vírgula. Assim sendo, eu diria “zero ponto vírgula cinco” ou simplesmente “meio ponto”. Prefiro, portanto, 0,5 ponto.
E AGORA, DICAS DE… INGLÊS!
Na última coluna, falamos a respeito de erros gramaticais em mensagens publicitárias.
Quero voltar ao assunto, mas com outro enfoque. Vamos analisar alguns textos usados em algumas propagandas antigas de cursos de língua estrangeira:
1a) Um pirata, para aprender inglês, repete o famoso “the book is on the table”, obedecendo às ordens do papagaio que insiste com o seu chatíssimo “repeat”. Meia hora depois, o timoneiro conclui: “É preciso mudar o curso”.
Nesse exemplo, o interessante é observar a ambiguidade intencionalmente criada pelo uso da palavra “curso”, que apresenta duas claras interpretações: “mudar o curso a ser seguido pelo barco pirata” e “mudar o curso de inglês”, ou seja, buscar um outro curso que ofereça novos métodos de ensino de língua estrangeira. Sem as repetições impostas pelo papagaio pirata.
2a) Um personagem, que teria sido devorado por canibais numa propaganda do mesmo curso de inglês no ano anterior, reaparece num deserto e encontra uma lâmpada. Dentro está uma “gênia” do tipo Feiticeira que só fala inglês. O nosso personagem, que já morrera no ano anterior por não saber falar inglês, fica novamente em apuros. Louco para libertar a sua Joana Prado, pergunta como “open” a garrafinha. E ela ensina: “push, push”. O nosso herói não hesita, e puxa. Os dois terminam juntos dentro da garrafa. Não entendi a cara de desespero do herói. Afinal, juntos dentro da garrafa, ele terá a eternidade para aprender a falar inglês.
Não sei se é verdade, mas ouvi história semelhante numa grande empresa onde há muito tempo dou meus cursos de “redação, atualização e reciclagem”. Dizem que um “grandão” de três metros de altura por dois de “largura”, candidato a uma vaga de segurança, foi até a empresa para a entrevista de seleção. Lá as portas são de vidro, e está escrito com letras garrafais para ninguém se enganar: “PUSH”. O grandalhão puxou uma, puxou duas e na terceira vez usou o que tem de melhor: a sua força. Ficou com a maçaneta na mão. Você pode imaginar como ficou o vidro da porta. Triste mesmo foi ver aquele homenzarrão chorando porque fatalmente perderia o emprego.
Tanto essa historinha quanto a propaganda mostram a necessidade de se conhecer a língua inglesa. E como é perigoso usar palavras cujos sons são semelhantes, mas com sentidos bem diferentes: “push” parece “puxe”, mas significa “empurre”.
Quanto à propaganda, tudo bem. Afinal, o curso de inglês tem de convencer os seus clientes de que precisam conhecer bem a língua inglesa.
Por outro lado, a empresa brasileira que escreve “push” nas suas portas de vidro merece mesmo é vê-las quebradas. Demitido deveria ser quem mandou escrever tamanha besteira. Digo e repito: usar termos ingleses desnecessários é macaquice.
3a) Outro curso de inglês, para valorizar o seu produto, afirma: “No atual mercado de trabalho, para quem não souber inglês, só vai sobrar o de mímico”.
Eu só quero saber o que vai sobrar para quem não souber nem o português.
Um aviso aos estudantes. Todos sabem que inglês e informática se tornaram exigências básicas para qualquer profissão. Devido às minhas andanças por este vasto país, por ter dado cursos e palestras em mais de 100 empresas, por ter ouvido muitos dirigentes e responsáveis pelo setor de Recursos Humanos, hoje eu tenho mais uma certeza. Anotem outras duas exigências: português e matemática financeira.
Leitor quer saber minha opinião a respeito de algumas mensagens publicitárias que apresentam, segundo ele, erros gramaticais.
Na sua mensagem, ele diz: “…sempre fui voto vencido. Quando questionava uma frase por conter algum erro gramatical, sempre havia aqueles que diziam que a linguagem publicitária é diferente, que pode tudo ou usavam outros argumentos com os quais nunca concordei. Caro professor, comente as frases abaixo sob a luz da gramática tradicional. Faça de conta que não é propaganda. Quero apenas testar os meus conhecimentos gramaticais adquiridos há algum tempo e que me custaram muito sofrimento”. As frases são as seguintes:
Vem pra Caixa você também.
Você quer um desconto? Faz um 21!
Obedeça sua sede.
O primeiro pagamento só daqui 45 dias.
Quem lê, sabe.
Vota Brasil.
Vamos dividir a resposta em três partes:
1a) Nos dois primeiros exemplos, encontramos o mesmo problema. É um vício de linguagem muito característico do português falado no Brasil. É o chamado duplo tratamento (=mistura de 2a com 3a pessoa).
O pronome “você” vem de “vossa mercê”. Trata-se de um pronome de tratamento. Faz concordância na 3ª pessoa (=você vem, você faz, você fala…), embora se refira ao receptor da mensagem (substitui o pronome “tu” = 2ª pessoa do discurso).
A mistura ocorre na hora de usarmos o verbo no imperativo afirmativo. Enquanto a 2ª pessoa vem do presente do indicativo sem o “s” (=vem tu, faze ou faz tu, fala tu), a 3ª pessoa vem do presente do subjuntivo:
que você venha – venha você;
que você faça – faça você;
que você fale – fale você.
Assim sendo, num texto formal em que se fizesse necessário o uso culto da língua portuguesa, deveríamos dizer:
Venha para Caixa você também;
Você quer um desconto? Faça um 21.
2a) Nos exemplos 3 e 4, houve a omissão indevida da preposição “a”. O verbo “obedecer” é transitivo indireto. Se você realmente obedece, sempre deverá obedecer “a” alguma coisa. A mesma propaganda diz que “a imagem não é nada”. Pelo visto, para os autores da frase, a preposição também não é. O certo seria “Obedeça a sua sede”. O uso do acento da crase, nesse caso, é facultativo.
No exemplo 4, também está faltando a preposição. Tudo é “daqui a”: “O primeiro pagamento só daqui a 45 dias”.

3a) Os dois últimos exemplos já foram comentados nesta coluna. Evitando voltar às velhas discussões sobre o assunto, repito apenas a minha opinião.
Em “Quem lê, sabe”, não deveríamos usar a vírgula, pois separa o sujeito do predicado: “Quem lê sabe”; “Quem bebe Grapete repete”.
Em “Vota Brasil”, falta a vírgula. O termo “Brasil” não é o sujeito da oração. É vocativo. A forma verbal (= vota) está no imperativo. Deveríamos escrever: “Vota, Brasil”.
 2) CRASE IMPOSSÍVEL
Leitor quer saber a minha opinião a respeito do excessivo uso do acento da crase numa única página da internet: “…ainda à partir da segunda metade (…) só tende à esquentar (…) surpreendeu à todos (…) rodando à 1,5GHz (…) melhora o suporte à CD (…) suporte à HTLM moderno (…) rodando à 433MHz e 466MHz…”
O nosso leitor tem inteira razão. O autor da página não acertou uma sequer. Em todos os casos não ocorre a crase porque não há artigo definido. Temos apenas a preposição “a”.
Não esqueça que é impossível haver crase:
1o) antes de verbo: “a partir da segunda metade”, “tende a esquentar”;
2o) antes de palavras masculinas: “surpreendeu a todos”, “suporte a HTLM moderno”.
 3) MEGA SENA ou MEGA-SENA ou MEGASSENA?
Carta de leitor: “Insisto com o problema do mega: mega-sena, mega sena, megasena ou megassena? Há meses aguardo uma explicação e já estou desconfiado de que não tenho resposta justamente por causa da insistência. Puxa, lá vem de novo aquele cara chato com a questão da megassena. Tudo indica que esta seja a forma correta, mas a dúvida permanece.”
Só vou responder devido à sua insistência, pois considero essa discussão um caso perdido.
O elemento “mega”, segundo o novo acordo ortográfico, só deve ser usado com hífen se a palavra seguinte começar por H ou vogal igual à última do prefixo: mega-avaliação, mega-hospital…
Nos demais casos, é sempre usado sem hífen, “tudo junto” como se diz popularmente: megacéfalo, megaevolução, megafone, megassismo, megawatt, megaevento, megaempresário…
Assim sendo, deveríamos escrever “megassena”. Por ser uma marca, torna-se um caso perdido, ou seja, não tem volta.
Outro problema é a necessidade do “ss” para manter o som do “esse”. Há muito tempo aprendemos que um “s” entre vogais representa o som do “zê”.
Se isso fosse respeitado, escreveríamos “telessena”, “aerossol”, “Mercossul”…
Quem lê esta coluna com certa frequência já sabe. Estou há mais de um mês tentando organizar a minha correspondência, por isso não estranhe o fato de eu fazer alusão a uma carta antiga ou escrever a respeito de alguma pergunta já respondida. É que o número de leitores novos, graças a Deus, é muito maior do que eu imaginava.
O assunto de hoje é bem interessante. Por meio de fax, mensagens eletrônicas ou cartas, vários leitores querem saber se o verbo “suicidar-se” é um pleonasmo ou não.
O argumento basicamente é o seguinte: o verbo “suicidar-se” vem do latim “sui” (”a si” = pronome reflexivo) + “cida” (=que mata). Isso significa que “suicidar” já é “matar a si mesmo”. Dispensaria, dessa forma, a repetição causada pelo uso do pronome reflexivo “se”.
Quanto à etimologia (=origem da palavra), os leitores têm razão.
Já que falamos em etimologia, é importante lembrar que as palavras terminadas pelo elemento latino “cida” apresentam essa triste ideia de “matar”: se o formicida mata formigas, se o inseticida mata insetos e se o homicida mata homens, o suicida só pode matar a si mesmo.
Não devemos, entretanto, fazer confusões. Existe uma pelo menos que, em vez de matar, salva muitas vidas: é a Nossa Senhora de Aparecida. A nossa padroeira, graças a Deus, tem outra origem.
Voltando ao verbo “suicidar-se”. Na verdade, os nossos leitores só têm razão quanto à origem da palavra. Se observarmos o uso contemporâneo do verbo “suicidar-se”, não restará dúvida: ninguém diz “ele suicida” ou “eles suicidaram”. O uso do pronome reflexivo “se” junto ao verbo está consagradíssimo. É um caminho sem volta. É um pleonasmo irreversível.
O verbo “suicidar-se” hoje é tão pronominal quanto os verbos “arrepender-se”, “esforçar-se”, “dignar-se”… Da mesma forma que “ela se esforça” e “eles se arrependeram”, “ela se suicida” e “eles se suicidaram”.
Diferente é o caso do verbo “autocontrolar-se”. O prefixo “auto” vem do grego e significa “a si mesmo”. Existe o substantivo “autocontrole” (=controle de si mesmo”), mas não há registro do verbo “autocontrolar-se”. Se você quer “controlar a si mesmo”, basta “controlar-se”.
É interessante, porém, saber que os nossos dicionários registram “autocriticar-se”, “autodefender-se”, “autodefinir-se”, “autodenominar-se”, “autodestruir-se”, “autodisciplinar-se”, “autoenganar-se”, “autogovernar-se”…
Resumindo: o uso correto do verbo é SUICIDAR-SE.
 2) “Estamos a VOSSO  ou  SEU dispor”?
Os pronomes de tratamento (= senhor, Vossa Senhoria, Vossa Excelência…) fazem concordância na 3a pessoa. Portanto, o correto é “estamos a seu dispor”.
Não esqueça que Vossa Senhoria e Vossa Excelência são iguais a você (=3a pessoa), e não a vós (2a pessoa do plural).
Observe o exemplo:
“Vossa Senhoria deve comparecer à reunião do próximo dia 20. Ficamos a sua disposição para mais esclarecimentos.”
 3) ALGUM ou NENHUM?
 Deu na Aula Extra: “…não faça restrição alguma…”, “…palavra sem registro algum”.
Comentário de um leitor: “Meu velho professor de Português já ensinava nos anos 30 que é correto o uso de duas negativas em uma oração, assim: não vou não, não tenho dinheiro nenhum.
Não seria melhor, e até mais bonita, a forma sugerida pelo meu  professor?”
Eu também não considero erro o uso de duas negativas. São inevitáveis frases do tipo “não fiz nada” e “não vi ninguém”.
Entretanto, se for possível, prefiro evitar a repetição de negativas. Em resumo:
1o) Não considero errada a frase “não tenho dinheiro nenhum”;
2o) Prefiro não repetir as negativas: “não tenho dinheiro algum”;
3o) Prefiro mesmo é “ter algum dinheiro”!!!
 4) HAJA VISTA ou HAJA VISTO?
Deu na Aula Extra: “Foi demitido haja vista o problema surgido.”
Leitor protesta: “O senhor escreveu que não existe a forma haja visto. Mas haja visto não é o pretérito perfeito do subjuntivo, formado pelo subjuntivo do verbo haver (haja) e o particípio do verbo ver (visto)? O particípio corresponde a um adjetivo e flexiona-se. No exemplo acima o particípio deve concordar com a palavra problema, que é masculina. Então, acho que haja visto pode ser empregado corretamente na frase acima.”
Você tem razão quando diz que haja visto pode ser a forma composta do verbo ver: “Embora o comentarista haja visto (=tenha visto) o lance várias vezes, a dúvida permaneceu.”
Não devemos, entretanto, confundir os casos. Na frase analisada nesta coluna, a expressão “haja vista” significa “tendo em vista, devido a, por causa de”. Não é verbo. É uma expressão tão invariável quanto “tendo em vista”: “Foi demitido haja vista (ou tendo em vista) o problema surgido”.

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