Os sete pecados mortais da crase
Do meu eterno mestre Édison de
Oliveira, em Todo mundo tem dúvida, inclusive você.
É impossível haver crase:
1º) antes de palavra masculina:
“Ele está no Rio a serviço”;
2º) antes de artigo indefinido:
“Chegamos a uma boa conclusão”;
3º) antes de verbo: “Fomos
obrigados a trabalhar”;
4º) antes de expressão de
tratamento: “Trouxe uma mensagem a Vossa Majestade”;
5º) antes de pronomes pessoais,
indefinidos e demonstrativos: “Nada revelarei a ela, a qualquer pessoa ou a
esta pessoa”;
6º) quando o “a” está no
singular, e a palavra seguinte está no plural: “Referimo-nos a moças bonitas”;
7º) quando, antes do “a”, existir
preposição: “Compareceram perante a Justiça”.
Estamos “a sua
disposição” ou “à sua disposição”?
É um caso facultativo. Antes dos
pronomes possessivos (minha, tua, sua nossa…), o uso dos artigos definidos é
facultativo: “Este é o meu carro” ou “Este é meu carro”; “Aquela é a minha
sala” ou “Aquela é minha sala”.
Assim sendo, quando houver a
preposição “a” antes de um pronome possessivo feminino singular, restará a
dúvida cruel: existe ou não o artigo feminino singular “a” e, consequentemente,
a crase? Como o uso do artigo antes do pronome possessivo é facultativo, o uso
do acento da crase também o será: “Estamos à sua disposição” ou “Estamos a sua
disposição”.
Podemos comprovar tudo isso
comparando com a forma masculina: “Estamos ao (= preposição “a” + artigo
masculino “o”) seu dispor” ou “Estamos a (= só preposição) seu dispor”.
Mesmo os doentes PARECE ou
PARECEM que estão felizes?
O certo é: “Mesmo os doentes PARECE que estão felizes.” O sujeito do verbo
PARECER é a segunda oração (=que mesmo os doentes estão felizes).
Em ordem direta, temos: “PARECE
que mesmo os doentes estão felizes”. É interessante observar que o termo “os
doentes” é o sujeito da segunda oração, do verbo ESTAR (=os doentes estão
felizes).
Ele DISSE ou TINHA DITO que
chegaria cedo, mas chegou às 5h?
A diferença entre DISSE e TINHA
DITO é o tempo verbal: DISSE está no pretérito perfeito e TINHA DITO, no
pretérito mais-que-perfeito do indicativo.
O pretérito perfeito indica uma
ação concluída no passado: “Ele disse, saiu, fez…”; o pretérito
mais-que-perfeito indica uma ação anterior a outra ação que já está no passado:
“Quando eu cheguei (pretérito perfeito = ação já passada), ele já tinha dito ou
dissera ou havia dito, tinha saído ou saíra ou havia saído, tinha feito ou
fizera ou havia feito (pretérito mais-que-perfeito = ação anterior à ação já
passada)”.
Assim sendo, quanto à pergunta do
nosso leitor, o mais adequado é: “Ele tinha dito que chegaria cedo, mas chegou
às 5h”. A ação de “dizer” é anterior a ação de “chegar”. O pretérito
mais-que-perfeito é o passado do passado.
VIETNÃ ou VIETNAM?
“Por que alguns jornais insistem
em grafar o nome do Vietnã na forma usada em inglês Vietnam? Os dicionários que
consultei registram até uma variante Vietname, com “e” no final, mas nunca na
versão inglesa?”
Meu caro leitor, a grafia de
nomes próprios é sempre um assunto polêmico. É briga sem fim. No meio
jornalístico, não há tempo a perder. É por isso que cada jornal cria seus
padrões. Não estamos, portanto, querendo dizer esta forma seja a correta e que
aquela outra esteja errada. É apenas a nossa preferência.
No caso do Vietnam, a nossa
preferência se deve ao adjetivo pátrio. Se falamos vietnamita com “m”, e não
“vietnanita”, considero o mais lógico é escrever Vietnam com “m”. Só isso.
OS TUPI ou OS TUPIS?
Reclamação do leitor: “Outro dia
escrevi um e-mail questionando o não uso de concordância nominal nos nomes de
grupos indígenas no livro de Eduardo Bueno. Infelizmente não obtive resposta.”
É outro assunto polêmico. Os
estudiosos das coisas indígenas afirmam que os nomes das nações indígenas não
apresentam plural na sua forma original. Deveríamos dizer os tupi, os goitacá,
os pataxó, os caeté…
Há, entretanto, aqueles que
defendem o aportuguesamento e consequente respeito às nossas regras
gramaticais.
Como as línguas indígenas são
ágrafas (= sem escrita), a forma escrita só pode ser aportuguesada. Em razão
disso, minha preferência é os tupis, os goitacás, os pataxós, os caetés…
Vou tentar responder
objetivamente e com a maior simplicidade possível. Aqui no Brasil nós ainda
falamos a língua portuguesa. Temos, na minha opinião, um falar brasileiro, que
seria um modo brasileiro de usar a língua portuguesa.
É importante lembrar o que
afirmaram alguns estudiosos: o professor Antenor Nascentes não falava em língua
brasileira e sim em “idioma nacional”; o mestre Gladstone Chaves de Melo falava
em língua comum e variantes regionais; e o grande filólogo Serafim da Silva
Neto afirmou que o português culto do Brasil é quase igual ao português culto
de Portugal. Isso significa, portanto, que as diferenças maiores estão na
linguagem do dia a dia.
No livro A língua portuguesa e a
unidade do Brasil, o mestre Leodegário de Azevedo Filho resume bem: “Em poucas
palavras, existe unidade na variedade de normas e de usos linguísticos. E isso
porque, se os morfemas gramaticais permanecem os mesmos, a língua não mudou, a
despeito de qualquer variação de pronúncia, de vocabulário ou mesmo de
sintaxe.”
O que existe na verdade são
variantes linguísticas:
a) variantes
geográficas: nacionais (Brasil, Portugal, Angola…) e regionais (falar gaúcho,
mineiro, baiano, pernambucano…);
b) variantes
socioeconômicas (vulgar, popular, coloquial, culto…);
c) variantes
expressivas (linguagem da prosa, linguagem poética).
Quem estiver interessado em ver o
assunto analisado com maior
profundidade poderá consultar os
respeitadíssimos Celso Cunha e Lindley Cintra, na Nova Gramática do Português
Contemporâneo, e a Moderna Gramática Portuguesa do nosso querido e eterno
mestre Evanildo Bechara.
O importante mesmo é respeitar as
diferenças, sejam fonéticas, semânticas ou sintáticas. Vejamos rapidamente
algumas diferenças entre o português do Brasil e o de Portugal.
Uma diferença fonética bem
perceptível é a pronúncia das vogais. Aqui no Brasil, nós pronunciamos bem
todas as vogais, sejam tônicas ou átonas. Em Portugal, a tendência é só
pronunciar bem as vogais tônicas. As vogais átonas são verdadeiramente átonas
(=fracas). Uma consequência disso é a colocação dos chamados pronomes átonos
(me, te, se, o, lhe, nos…). Em Portugal, por ter a pronúncia fraca, não se põe
o pronome átono no início da frase: “Dê-me um cigarro”; no Brasil, como as
vogais átonas são pronunciadas como se fossem tônicas, não temos nenhuma
dificuldade em pôr os pronomes átonos no início da frase: “Me dá um cigarro”. É
assim que o brasileiro fala. E quando me refiro ao brasileiro, estou falando do
brasileiro em geral, de todos os níveis sociais e culturais. Não estou fazendo
referência ao “povo” com aquela conotação pejorativa e discriminatória que
alguns ainda atribuem à palavra. Absurdo é considerar “erro” o uso dos pronomes
átonos no início da frase.
Diferenças semânticas existem
muitas. Algumas famosas já viraram até piada. Em Portugal, “uma bicha enorme”
não é nada mais do que “uma fila imensa”, sem nenhuma outra conotação que algum
brasileiro queira dar.
E diferenças sintáticas também
existem. No Brasil, nós preferimos o gerúndio (“Estamos trabalhando”); em
Portugal, preferem o infinitivo (“Estamos a trabalhar”). No Brasil, gostamos da
forma “você”; em Portugal, usam mais o pronome “vos”: “Se eu lesse para você” e
“Se eu vos lesse”. Aqui “falar consigo” é “falar com si mesmo”; em Portugal
“falar consigo” é “falar com você”. Em Portugal, é frequente o uso de “mais
pequeno”; no Brasil, aprendemos que o certo é falar “menor”, que “mais pequeno”
é “errado”.
E assim voltamos ao ponto de
partida: a eterna briga do certo e do errado. Espero que me perdoem pela
repetição, mas não é uma questão simplista de certo ou errado. É uma questão de
adequação. Usar “mais pequeno” no Brasil é tão inadequado quanto iniciar uma
frase com um pronome átono em Portugal.
Por que eu teria de afirmar que
alguém está falando “errado” quando o carioca fala “sinal”, o paulista prefere
“farol” e o gaúcho usa “sinaleira”? Afinal das contas, é tudo semáforo.
Segue ANEXO ou ANEXA?
O termo ANEXO é um adjetivo.
Deve, portanto, concordar em gênero e número com o substantivo a que se refere:
Segue anexo o relatório;
Segue anexa a nota fiscal;
Seguem anexos os relatórios;
Seguem anexas as notas fiscais.
Em textos que exijam uma
linguagem formal, alguns autores sugerem que evitemos o uso da expressão “em
anexo”. Isso é uma questão de preferência, e não de certo ou errado.
Não sabia o que FIZESSE ou o que
FAZER?
Pergunta de leitor: “No interior
do Maranhão e no Nordeste em geral, dizemos ‘Eu não sabia o que fizesse’. No
Rio e no Sul geralmente dizem ‘Eu não sabia o que fazer’. Cheguei a pensar que
esta última fosse a expressão correta, mas José de Alencar (nordestino), no
romance Senhora (Coleção Prestígio-Ediouro-33ª edição-1996-página 126, linha
13), pelo menos duas vezes, emprega o “fizesse”. Qual é a forma correta?”
Não é uma questão de certo ou
errado. Você mesmo já descobriu a resposta. Temos aqui uma construção típica da
fala nordestina. José de Alencar talvez tenha sido o primeiro autor brasileiro
a se preocupar com a linguagem brasileira. Em sua vasta obra literária, é
frequente a presença de algumas estruturas típicas do português falado no
Brasil.
É importante lembrar, entretanto,
que num texto em que se exija a linguagem padrão, devemos usar o infinitivo:
“Eu não sabia o que fazer”.
qua, 01/08/12
por Sérgio Nogueira |
categoria Curiosidades, Gramática
| tags estrangeirismos,
grafia
O USO DOS ESTRANGEIRISMOS
Quando o assunto são os
estrangeirismos, é briga na certa. Metade a favor, metade contra.
Como eu mesmo já disse várias
vezes, é muito difícil ser moderado nesta terra. Consegue-se desagradar aos
dois lados.
Os puristas radicais querem que
eu assuma uma posição mais firme contra a invasão de termos ingleses. Chegam a
propor leis como a que existe na França, que proíbe o uso de termos
estrangeiros.
No outro extremo, estão aqueles
que “topam tudo”, que adoram um atendimento VIP, assistir a um talk show, ver o
replay da jogada, dar um clik, fazer um check-up, ser um bad boy ou talvez um gay,
sugerir um brainstorm, pedir um briefing, fazer um coffee break, sair para a night
e ficar no maior love.
Uma leitora que é contra o uso
excessivo dos anglicismos criou, com muita ironia, um convite cheio de palavras
e expressões inglesas tão usuais entre nós.
Por falta de espaço, vou
reproduzir apenas alguns trechos do texto:
“Faço um convite a todos que amam
a língua portuguesa (…) passarmos um weekend juntos em qualquer point (…)
na praia, sem topless (…) assistir a um jogo de beach soccer (…) beber um ice
tea. (…) ler no jornal o que há de novo no setor de business ou ler a coluna de
alguma socialite (…) e saber o que está in ou out no momento. Na hora do
almoço, uma comidinha light, com um refrigerante diet (…) ao lavar as mãos, não
esqueça que push é empurre (…) e na hora da conta pagar cash em vez de usar ticket.
Após (…) no carro com air bag, parar num self service e aproveitar o oil
express (…). Iremos a um shopping (…) assistiremos a um filme com happy end (…)
comeremos um hot dog… Ao sairmos, devemos procurar por EXIT. Podemos também ir
a uma livraria (…) comprar um best seller (…) ler numa revista especializada
sobre os designers de novos carros (…) descobrir o hobby de um pop star (…) ou
o show de algum cover…
Sei que será difícil, mas nada
que um bom trabalho de marketing não resolva. Poderemos criar um poderoso slogan
e um jingle bem divertido. Isso sem contar nos outdoors espalhados pelo país. All
right?”
Não é preciso um esforço
sobrenatural para comprovarmos a abusiva presença de palavras inglesas na nossa
linguagem cotidiana. Algumas são inevitáveis e consagradas como topless, show e
marketing. A maioria, entretanto, é puro modismo.
Impossível é criar uma regra. É
muito subjetivo. Que palavras ou expressões estrangeiras são aceitáveis? Quais
devem ser traduzidas? Play off ou “melhor de três” ou “fase decisiva” ou
“mata-mata”? Shopping ou centro comercial? Know how ou “conhecimento”? Topless
ou “???”? E quais devem ser aportuguesadas? Black out ou blecaute? Layout ou
leiaute? Stress ou estresse? Air bag ou “erbegue”? On-line ou “onlaine”?
Não vejo uma solução definitiva.
É briga na certa.
Por isso tudo, mantenho a minha
posição moderada. Nada de radicalismos. Cada caso merece uma análise
individual.
Em geral adoto o seguinte
critério: 1o) se for possível, a tradução: futebol de areia (beach soccer),
autoatendimento (self service); 2o) se for possível, o aportuguesamento:
blecaute, estresse; 3o) se não for possível traduzir nem aportuguesar, a
palavra estrangeira é bem-vinda: dumping, ranking, software, marketing…
BIFÊ ou BUFÊ?
A língua francesa forneceu um
grande número de palavras à língua portuguesa. A maioria já foi devidamente
aportuguesada. Assim, a palavra francesa buffet foi aportuguesada para bufê (=
escreve-se com “u” pronunciado como “u” mesmo).
A realidade, porém, é que no
Brasil existe uma incontestável preferência pela forma original francesa: buffet.
Será que temos aqui algum tipo de preconceito? Do tipo BUFÊ é coisa de pobre?
Espero que não.
Vejamos outras palavras francesas
que já foram aportuguesadas: avalancha, boate, batom, buquê, balé, cabina,
camionete ou camioneta, chassi, chique, conhaque, guidom ou guidão, marrom,
vermute…
DESINTERIA ou DESENTERIA ou
DISENTERIA?
Carta do leitor: “Navegando pela
sua página, observei um pequeno equívoco. Assim está escrito: ERRADO: ‘Estava
com desinteria’. CERTO: ‘estava com desenteria’. Não seria disenteria?”
O nosso leitor está certíssimo. O
mau funcionamento dos intestinos, a inflamação intestinal é DISENTERIA.
O prefixo “dis” significa
“dificuldade, mau funcionamento”. É o mesmo que aparece em DISFAGIA
(=dificuldade na deglutição, para comer); DISPEPSIA (=dificuldade de digerir,
na digestão); DISLALIA (=dificuldade na fala, na dicção); DISPNEIA
(=dificuldade na respiração); DISRITMIA (=distúrbio de ritmo)…
É importante lembrar que o estudo
do intestino e das suas funções é a ENTEROLOGIA (do grego énteron = interior,
intestino). Daí o famoso o enteroviofórmio, aquele “remedinho” de tristes
lembranças.
MADRUGADA DE DOMINGO ou DE SÁBADO
PARA DOMINGO?
É comum ouvirmos: “O jogo será na
madrugada de sábado para domingo.”
Rigorosamente não existe
madrugada de sábado para domingo.
Basta dizer: “O jogo será na madrugada
de domingo.” Madrugada é o intervalo de tempo correspondente às últimas horas
da noite, antes do nascer do Sol (=entre a meia-noite e, aproximadamente, as 6h
da manhã).
A NÍVEL DE ou EM
NÍVEL?
A expressão “a nível de” é um dos
piores modismos criados nos últimos tempos. Além da preposição “a”, que deve
ser substituída por “em”, somos obrigados a conviver com o maldito “nível” em
situações absurdas, pois não há níveis: “A nível de debate…”; “…a nível de
relatório…”; “…a nível de sentimento…”; “…a nível de espiritualidade…”.
É interessante observar que quem
usa a expressão “a nível de” ainda faz pose: deve achar que está falando um
português “belíssimo”.
A expressão EM NÍVEL DE é
correta, mas só pode ser usada se houver “níveis”: “O problema só pode ser
resolvido em nível de diretoria”; “A situação será analisada em nível federal”.
Quanto ao mar, é aceitável dizer
“ao nível do mar” ou “no nível do mar”.
ANTE AO EXPOSTO ou ANTE O
EXPOSTO?
Carta do leitor: “É comum em
sentenças dos juízes usar a forma ‘ante ao exposto, julgo procedente a ação’.
Os juízes portugueses também usam o ATÉ: ‘…até ao fim”. Já consultei um
professor, e ele disse-me que o correto é ‘ante o exposto’. Segundo ele, é que
não se pode usar duas preposições.”
Eu também não gosto de usar duas
preposições: “ante ao exposto”, “até ao fim”, “para com”. “por entre”, “por
sobre”…
O problema é usarmos o velho
conceito de certo ou errado. A verdade é que, em Portugal, é frequente o uso de
duas preposições: “ante ao exposto”, “ir até ao fim”. Não é, portanto, uma
questão de estar errado. É, a meu ver, um problema de estilo, de uso.
Assim sendo, a minha preferência
é:
“Ante o exposto, julgo procedente
a ação”;
“Ele foi até o fim”;
“É preciso ter respeito pelo
adversário” (em vez de ‘para com o adversário’);
“Passou a bola entre as pernas”
(e não ‘por entre as pernas’);
“Chutou a bola sobre o travessão”
(e não por sobre o travessão).
UM ÓCULOS ou UNS ÓCULOS?
Carta do leitor: “Pior do que
dizer ‘um óculos’, que se ouve de conceituado show-man (perdão!) da televisão e
equipa um médico em hospital dos Estados Unidos, é, penso, o abuso de
expressões da língua inglesa, sem aspas, de permeio com outras tantas do nosso
vernáculo.”
Li num bom jornal: “O médico
coloca um capacete equipado com um óculos especial que …”
A palavra óculos só apresenta
forma plural. É o mesmo caso de “núpcias, pêsames, parabéns…” O certo,
portanto, é “…equipado com óculos especiais…”. Não se deve dizer “o óculos escuro
quebrou”, e sim “os óculos escuros quebraram”.
EXOTÉRICO ou ESOTÉRICO?
Vejamos o que diz o dicionário
“Aurélio”:
EXOTÉRICO: “Diz-se de ensinamento
que, em escolas da antiguidade grega, era transmitido ao público sem restrição,
dado o interesse generalizado que suscitava e a forma acessível em que podia
ser exposto, por se tratar de ensinamento dialético, provável, verossímil.”
ESOTÉRICO: “Diz-se do ensinamento
que, em escolas filosóficas da antiguidade grega, era reservado aos discípulos
completamente instruídos; todo ensinamento ministrado a círculo restrito e fechado
de ouvintes; compreensível apenas por poucos, obscuro, hermético.”
ESOTERISMO: “1. Doutrina ou
atitude de espírito que preconiza que o ensinamento da verdade (científica,
filosófica ou religiosa) deve reservar-se a número restrito de iniciados…; 2.
Designação que abrange um complexo conjunto de doutrinas práticas e
ensinamentos de teor religioso e espiritualista, em que se confundem
influências de religiões orientais e ciências ocultas, associadas a técnicas
terapêuticas, e que, supostamente, mobilizam energias não integrantes da
ciência e que visam a iniciar o indivíduo no caminho do autoconhecimento, da
paz espiritual, da sabedoria, da saúde, da imortalidade…”
Respondendo diretamente às
perguntas dos leitores:
1o) Realmente existem as duas
palavras. A diferença básica é que ESOTÉRICO refere-se a ensinamento para
grupos restritos, e EXOTÉRICO para o público em geral, sem restrições.
DESAFIOS
1º) Qual é a forma correta?
a) A reunião será amanhã
AS ou ÀS 8h ?
b) A reunião será A
ou À partir das 8h ?
c) A reunião só começará
após AS ou ÀS 8h ?
Respostas:
a) A reunião será amanhã às 8h;
b) A reunião será a partir das
8h;
c) A reunião só começará após as
8h.
2º) Se pousar na terra é
aterrissar ou aterrizar, quero saber como seria:
a) pousar no mar;
b) pousar na Lua.
Respostas:
a) amerissar
b) alunissar.
SERÁ VERDADE?
Passeia pela internet uma nova
lista de “asneiras jornalísticas”. Não tem paternidade (como sempre) e as
frases são atribuídas à imprensa portuguesa, o que não é verdade. Eu já
conhecia metade dos casos. São quase os mesmos de outra lista que já foi
parcialmente apresentada aqui na Aula Extra. Naquela lista, os exemplos eram
atribuídos a jornais cariocas.
A falta de paternidade acaba
permitindo afirmações duvidosas e imprecisas. Eu nem acredito que todas as
frases da lista tenham sido publicadas por algum jornal, mas não deixam de ser
interessantes. No mínimo, valem pela criatividade dos seus autores.
Vejamos:
1) “Parece que
ela foi morta pelo seu assassino.”
Ainda bem que não tem certeza!
2) “O acidente
pode ter sido no tristemente célebre retângulo das Bermudas.”
Não sei se é uma dívida
geométrica ou geográfica…
3) “O acidente
fez um total de um morto e três desaparecidos. Teme-se que haja vítimas.”
É que as vítimas não devem ser
parentes de quem escreveu.
4) “O acidente
provocou uma forte comoção em toda a região, onde o veículo era bem conhecido.”
Era um “veículo” bem popular,
muito querido na região. Será julgado pelo Departamento de Trânsito e, se
condenado, ficará preso no depósito municipal.
5) “Quatro
hectares de trigo foram queimados. A princípio, trata-se de um incêndio.”
Só a princípio. No fim, vão
descobrir que foi enchente.
6) “O aumento
da inflação foi de 0% em novembro.”
Foi um aumento semelhante ao do
salário mínimo.
7) “O
presidente de honra é um septuagenário de 81 anos.”
Pior é aquele que pensa que
sexagenário é o velhinho que ainda faz sexo.
8) “Ferido no
joelho, ele perdeu a cabeça.”
E ficou de cabelo em pé.
9) “As
circunstâncias da morte do chefe de iluminação permanecem bastante obscuras.”
Porque as provas do crime já
foram enterradas.
10) “A conferência sobre prisão
de ventre foi seguida de um farto almoço.”
Logo após, houve uma grande
corrida aos banheiros. Assim, foi possível pôr em prática as técnicas
aprendidas na conferência.
11) “É uma bela peça musical, de
onde parecia exalar toda a fria tristeza da estepe gelada. Foi executada com um
calor magistral.”
Metade da orquestra ficou
resfriada devido à violenta variação de temperatura.
12) “Apesar de a meteorologia
estar em greve, o tempo esfriou ontem intensamente.”
O sindicato dos meteorologistas
ficou decepcionado com o tempo que não aderiu ao movimento de paralisação.
13) “Os quatro artistas formam um
trio de talento.”
Deve ser o famoso quarteto “Trio
los dos”, no qual cantava “solamente yo”.
Não sei distinguir entre o que
foi realmente publicado e o que foi inventado. Importante é que diverte um
pouco.
O próximo exemplo, porém, é
verdadeiro. Um portal de notícias informou: “Bombeiro ajuda grávida a dar à luz
por telefone”. É lógico que a ajuda é que foi por telefone, mas dar à luz por
telefone poderia ser “algum avanço da ciência”…
O último caso ninguém me contou.
Eu ouvi muito bem. Aconteceu há muito tempo numa transmissão de um jogo da
seleção brasileira de futebol de areia, ou de “beach soccer” como preferia o
comentarista que soltou a “pérola”: “O Neném começou a correr mais com a
entrada do Júnior Negrão atrás”. E ele queria o quê?
CRÍTICA DO LEITOR
“Gostaria de chamar atenção para
o correto sentido da palavra DESCRIMINAR, que na sua coluna foi explicada como
“inocentar de um crime”. Inocentar é absolver. DESCRIMINAR significa “deixar de
considerar crime um determinado ato que hoje é considerado como tal”. Portanto,
correto não seria “o projeto queria descriminar o usuário de maconha”, e sim o
projeto queria “descriminar o uso da maconha”.
O nosso leitor tem razão. Se
prezamos o uso preciso das palavras, devemos “descriminar o uso, e não o
usuário”.
Caso semelhante ocorre com o
verbo CASSAR (=anular). Não se “cassa o prefeito”. O que se cassa é o mandato
do prefeito.
DÚVIDA DO LEITOR E MINHA
ENFEZADO = CHEIO DE FEZES?
“Costuma-se usar a expressão
ENFEZADO, quando queremos falar do nosso estado de aborrecimento. Não há
nenhuma outra menção no Aurélio, mas fico me perguntando se a construção da palavra
tem alguma relação com intestino cheio, prisão de ventre, que também nos dá o
mesmo estado de ânimo, ou seja, nos deixa irritados, aborrecidos, ENFEZADOS.
Alguma relação?”
Não é a primeira vez que ouço
falar dessa história: ENFEZADA estaria a pessoa com prisão de ventre, ou seja,
cheia de FEZES. Pode até ser verdade, mas os nossos dicionários não mencionam
essa possível relação.
Só registram ENFEZADO como
“aborrecido, irritado”.
A PALAVRA EXISTE OU NÃO?
Quem lê esta coluna com certa
frequência bem sabe como detesto reduzir fatos linguísticos a discussões
simplistas do tipo certo ou errado. Outro tipo de pergunta muito frequente é se
uma determinada palavra existe ou não. E aqui temos um problema bem
interessante para resolver.
A pergunta pode parecer boba, mas
eu quero entender melhor o que significa uma palavra não existir. É a palavra
que alguém inventa mas ninguém usa nem aparece registrada em nossos dicionários
ou seria aquela palavra que muita gente usa embora não esteja no dicionário? Se
a resposta for a segunda opção, estaremos diante de um novo problema: qual
dicionário?
Sabemos muito bem que, para o
brasileiro em geral, quando se fala em dicionário, só pode ser o Aurélio. Isso
não significa que seja o único ou necessariamente o melhor. Estou apenas
constatando um fato. Eu mesmo nesta coluna tenho citado outros dicionários:
Houaiss, Michaelis, Larousse, Globo, Caldas Aulete, Ruth Rocha, Antenor
Nascentes… Por uma questão de justiça e honestidade intelectual, outras fontes
devem ser pesquisadas e citadas. A verdade, no entanto, é que, para a maioria,
na hora da dúvida, quem decide é o Aurélio.
Por causa disso, quero deixar um
alerta: cuidado com as novas edições do Aurélio! As últimas edições trazem
algumas novidades.
Vejamos o exemplo do verbo penalizar.
Sempre ensinei, porque assim
aprendi, que penalizado não era sinônimo de punido. Segundo o dicionário
Michaelis, penalizar é “causar pena ou dó a, sentir grande pena, sobrecarregar
de modo penoso”. Assim sendo, uma pessoa penalizada só poderia ser aquela “que
sentia muita pena de alguém ou de alguma coisa”: “Ela ficou penalizada diante
da miséria humana”.
Alguns leitores me alertaram para
o novíssimo Aurélio. É verdade. Lá está: “penalizar. 1. Causar pena ou desgosto
a (…) 2. Infligir pena a ‘O juiz penalizou o time’. (…)”. Se alguém não
percebeu, eu explico: “infligir pena a” significa “aplicar pena” ou, em outras
palavras, PUNIR.
O nosso grande Aurélio libera,
portanto, o uso de penalizar como sinônimo de punir. Confesso que tenho um
pouco de dificuldade. Afinal, foram tantos anos… Vou continuar penalizado pelo
sofrimento de tantos brasileiros e revoltado porque muitos safados ainda não
foram punidos.
Prometo, por outro lado, não mais
criticar quem usar penalizado em vez de punido. Quando alguém disser que o
jogador foi penalizado com cartão vermelho, juro que não direi nada. Só
pensarei baixinho: que coisa horrorosa!
DISPONIBILIZAR ou TORNAR
DISPONÍVEL?
Certa vez recebi um e-mail de um
ex-aluno, na verdade um participante dos meus cursos de redação empresarial
para executivos. Ele me deixou o seguinte recado: “…lembro bem o senhor ter nos
ensinado que não deveríamos usar o verbo disponibilizar porque não existia em
nossos dicionários (…) fiquei surpreso pois o novíssimo Aurélio registra o
nosso “amado” disponibilizar. Que devemos fazer?”
O ex-aluno e agora leitor tem
razão. Os meus leitores já sabiam disso, pois já escrevi sobre esse caso.
O curso de que fala o nosso
leitor foi para Auditores da Qualidade. Já faz mais de dez anos.
Nos meus cursos, quando analiso o
uso de neologismos, sempre faço algumas observações:
1a) nada impede que um neologismo
que hoje não aparece em nossos dicionários venha a ser devidamente
“dicionarizado” (foi o que aconteceu com o disponibilizar);
2a) o fato de uma palavra não
estar registrada em nossos dicionários não significa que estejamos proibidos de
usá-la.
É interessante lembrar o caso da
palavra “não conformidade”, até hoje sem registro algum, nem no novíssimo
Aurélio. O meu querido ex-aluno deve estar lembrado do que ensinei: “Como pode
um auditor da qualidade escrever um relatório de não conformidades sem usar a
palavra não conformidade? Tenho a certeza de que a palavra estará presente em
futuras edições de nossos dicionários”.
Isso significa que não sou
contrário a um neologismo pelo simples fato de ele não estar no dicionário.
Continuo a favor do uso técnico da palavra “não conformidade” (=descumprimento
de um requisito especificado), embora ainda não esteja registrada em nenhum
dicionário.
Quanto ao disponibilizar, apesar
de aparecer nas últimas edições dos nossos principais dicionários, continuo não
gostando. É modismo e é usado exageradamente. Não posso, é claro, considerar
erro o uso do verbo disponibilizar. Não só porque já está devidamente
dicionarizado, mas principalmente porque sou contrário a essa história de certo
ou errado.
Além do mais, você se referiu ao verbo
como “amado disponibilizar”. Quem sou eu para atrapalhar essa relação tão
bonita? Se eu era o estorvo, sinta-se liberado. Pode externar livremente os
seus sentimentos e use o disponibilizar à vontade. Só não abuse: você pode
ficar tão enjoado quanto eu.
DÚVIDAS DOS LEITORES
TACHA ou TAXA?
TACHAR ou TAXAR
ou TACHEAR?
TACHATIVO ou
TAXATIVO?
ACHA = espécie de prego; ou
mancha, defeito moral; ou tacho grande;
TAXA = tributo; ou razão de juro;
TACHAR = acusar, censurar, pôr
defeito em (“Ele foi tachado de corrupto”);
TAXAR = fixar ou determinar uma
taxa, um tributo (“Estes serviços não serão taxados pelo governo”);
TACHEAR = pregar tachas
(preguinhos) em (“É um sofá todo tacheado”);
TACHATIVO (não há registro em
nossos dicionários);
TAXATIVO = que taxa, que limita;
restritivo; definitivo (“O diretor foi taxativo ao afirmar que…”).
MEIO ou MEIA?
1) A palavra
meio, quando significa “metade”, é numeral. Deve concordar com o substantivo a
que se refere: “Bebeu meio litro de uísque”; “Bebeu meia garrafa de cerveja”; “Leu
um capítulo e meio”; “Leu uma página e meia”; “É uma hora e meia”; “É meio-dia
e meia (hora)”…
2) A palavra meio,
quando significa “mais ou menos”, é advérbio de intensidade. Os advérbios são
palavras invariáveis (=não se flexionam em gênero e número): “A aluna ficou meio
nervosa”; “Os clientes saíram meio satisfeitos”; “A atleta está meio cansada”;
“Ela é meio poderosa”…
-> A dúvida
Pergunta do leitor: “Lendo
recentemente um conto de Machado de Assis (Capítulo dos Chapéus), deparei-me
com a seguinte frase: …foi à sala de visitas, chegou à janela meia aberta, viu…
Pensei tratar-se de um erro de revisão, mas em um outro conto (Casa Velha),
deparei-me com frase semelhante. Custa-me crer que Machado de Assis tenha
cometido tal erro. Em que ocasiões pode meia ser usada? Meia ou meio cansada?”
Rigorosamente, segundo as regras
da gramática tradicional, os advérbios não se flexionam (= sem feminino, sem
plural): “ela está meio cansada” e “a janela está meio aberta”.
Não sei se houve erro de
impressão ou se o grande Machado cometeu um erro gramatical. E não estou muito
preocupado com isso. Já disse muitas vezes: não devemos reduzir fatos
linguísticos a discussões simplistas de certo ou errado.
Não sou adepto da “teoria da
exceção”. Respeito o fato de uma palavra ou alguma estrutura sintática ter sido
citada ou usada por um ou outro autor. Isso não significa, entretanto, que eu
também vá usar ou ensinar aos meus alunos.
Se ninguém diz que “ela está muita
cansada ou pouca cansada” e que poucos dizem “meia cansada”, prefiro seguir a
maioria: “ela está meio cansada”, porque não está “muito cansada” nem “pouco
cansada”.
-> Outra dúvida
Outro leitor comenta: “Machado de
Assis estava certo ao escrever ‘janela meia aberta’. Você não acha que ele quis
dizer que a janela estava aberta pela metade ou então que tinha a metade
aberta?”
Não é a primeira vez que leio
essa interpretação. Pode até ser verdadeira, mas acredito mesmo que tenha
havido o que alguns autores hoje chamam de “concordância atrativa” (= é feita
por proximidade em vez de seguir a lógica gramatical). Isso significa que o
advérbio “meio” estaria concordando com o adjetivo “aberta” devido à
proximidade.
Isso explicaria também o caso do
“meia cansada”. Aqui fica muito difícil sustentar a ideia de “metade”. Se a pessoa
ficou “meia cansada”, certamente não ficou “metade” cansada.
ESTADIA ou ESTADA?
Sempre ensinei que estadia é “o
período em que o navio fica no porto para carga e descarga” e estada é “o ato
de estar, permanência”.
Sempre brinquei em minhas aulas:
“quando entro num hotel e me desejam um boa estadia, eu me sinto um navio,
mas…tudo bem. O importante é ser bem tratado durante a estada no tal hotel”.
Juro que é última vez que direi
tal “gracinha”. Eu sei que o novíssimo Aurélio considera estadia sinônimo de estada,
permanência. Sendo mais justo ainda: o dicionário Michaelis já dizia isso há
mais tempo.
Isso significa, portanto, que estada
e estadia, no sentido de “permanência”, são sinônimos. Para os navios, só vale
a estadia.
ATERRIZAR ou ATERRISSAR?
O velho dicionário Caldas Aulete
só registrava a forma aterrissar. No entanto, a forma aterrizar já está
devidamente registrada no Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa,
publicado pela Academia Brasileira de Letras, e por vários dicionários, entre
eles o próprio Aulete digital, o Houaiss, o Michaelis e o Aurélio.
Aqui não há mais discussão. As
duas formas são totalmente aceitáveis.
MAU-OLHADO ou MAL-OLHADO?
As duas palavras existem, mas
apresentam significados diferentes:
a) mal-olhado =
adjetivo, é o “que não é bem visto, bem aceito; malvisto;
detestado, odiado” (Dicionário
Michaelis).
b) mau-olhado =
substantivo, é a “qualidade que a crendice popular atribui
a certas pessoas de causarem
desgraças àquelas para quem olham”.
Observação: o adjetivo mal-olhado
não aparece no dicionário Aurélio, mas está registrado no dicionário Michaelis
e no Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa da ABL.
Publicamos outro dia nesta coluna:
“Não há crase
antes de palavra masculina”. Entre os comentários recebidos estava uma
crítica de um leitor. Veja: “Acredito que há exceção a esta regra, tanto no que
se refere a expressões que denotam modo/moda (Filé à Osvaldo Aranha) quanto no
uso do pronome demonstrativo “aquele” com verbo que peçam a preposição “a”
(Dedicou-se àquele amor por toda a vida).”
Os exemplos analisados pelo
leitor estão corretíssimos. Devemos usar o acento da crase nos dois casos.
Quando dizemos que não há crase
antes de palavras masculinas, estamos fazendo referência ao caso mais frequente
da crase (preposição “a” + artigo definido feminino “a”). Antes de palavra
masculina, é impossível haver o artigo definido feminino: “Andar a pé”; “Vender
a prazo”; “Falar a respeito disso”.
Não devemos confundir uma “dica”
com regras. Os dois exemplos citados pelo leitor não são exceções. São apenas
casos diferentes.
PERCENTAGEM ou
PONTO PERCENTUAL?
Leitor quer saber: “Qual é o
significado de 2 pontos percentuais? Não seria simplesmente 2%?”
Percentagem e ponto percentual
não são sinônimos. Não tenho culpa. É a “matemática” da vida.
Vou responder com um exemplo bem
simples. Vamos imaginar que a inflação subiu de 2% para 4%. Isso significa que
a inflação subiu 100% ou 2 pontos percentuais.
Vejamos outro caso. A inflação
subiu de 2% para 3%. Agora o aumento foi de 50% ou de 1 ponto percentual.
0,5 PONTO ou
PONTOS?
Leitor quer saber se a
concordância se faz no singular ou no plural.
Vou responder com uma pergunta:
como você diria se fosse 1,5? A maioria diria “um ponto vírgula cinco” ou “um
ponto e meio”. Para 2,5, diríamos “dois pontos vírgula cinco” ou “dois pontos e
meio”. Parece claro que o ponto se refere ao número que vem antes da vírgula.
Assim sendo, eu diria “zero ponto vírgula cinco” ou simplesmente “meio ponto”.
Prefiro, portanto, 0,5 ponto.
E AGORA, DICAS DE… INGLÊS!
Na última coluna, falamos a
respeito de erros gramaticais em mensagens publicitárias.
Quero voltar ao assunto, mas com
outro enfoque. Vamos analisar alguns textos usados em algumas propagandas
antigas de cursos de língua estrangeira:
1a) Um pirata, para aprender
inglês, repete o famoso “the book is on the table”, obedecendo às ordens do
papagaio que insiste com o seu chatíssimo “repeat”. Meia hora depois, o
timoneiro conclui: “É preciso mudar o curso”.
Nesse exemplo, o interessante é
observar a ambiguidade intencionalmente criada pelo uso da palavra “curso”, que
apresenta duas claras interpretações: “mudar o curso a ser seguido pelo barco
pirata” e “mudar o curso de inglês”, ou seja, buscar um outro curso que ofereça
novos métodos de ensino de língua estrangeira. Sem as repetições impostas pelo
papagaio pirata.
2a) Um personagem, que teria sido
devorado por canibais numa propaganda do mesmo curso de inglês no ano anterior,
reaparece num deserto e encontra uma lâmpada. Dentro está uma “gênia” do tipo
Feiticeira que só fala inglês. O nosso personagem, que já morrera no ano
anterior por não saber falar inglês, fica novamente em apuros. Louco para
libertar a sua Joana Prado, pergunta como “open” a garrafinha. E ela ensina: “push,
push”. O nosso herói não hesita, e puxa. Os dois terminam juntos dentro da
garrafa. Não entendi a cara de desespero do herói. Afinal, juntos dentro da
garrafa, ele terá a eternidade para aprender a falar inglês.
Não sei se é verdade, mas ouvi
história semelhante numa grande empresa onde há muito tempo dou meus cursos de
“redação, atualização e reciclagem”. Dizem que um “grandão” de três metros de
altura por dois de “largura”, candidato a uma vaga de segurança, foi até a
empresa para a entrevista de seleção. Lá as portas são de vidro, e está escrito
com letras garrafais para ninguém se enganar: “PUSH”. O grandalhão puxou uma,
puxou duas e na terceira vez usou o que tem de melhor: a sua força. Ficou com a
maçaneta na mão. Você pode imaginar como ficou o vidro da porta. Triste mesmo
foi ver aquele homenzarrão chorando porque fatalmente perderia o emprego.
Tanto essa historinha quanto a
propaganda mostram a necessidade de se conhecer a língua inglesa. E como é
perigoso usar palavras cujos sons são semelhantes, mas com sentidos bem
diferentes: “push” parece “puxe”, mas significa “empurre”.
Quanto à propaganda, tudo bem.
Afinal, o curso de inglês tem de convencer os seus clientes de que precisam
conhecer bem a língua inglesa.
Por outro lado, a empresa
brasileira que escreve “push” nas suas portas de vidro merece mesmo é vê-las
quebradas. Demitido deveria ser quem mandou escrever tamanha besteira. Digo e
repito: usar termos ingleses desnecessários é macaquice.
3a) Outro curso de inglês, para
valorizar o seu produto, afirma: “No atual mercado de trabalho, para quem não
souber inglês, só vai sobrar o de mímico”.
Eu só quero saber o que vai sobrar
para quem não souber nem o português.
Um aviso aos estudantes. Todos
sabem que inglês e informática se tornaram exigências básicas para qualquer
profissão. Devido às minhas andanças por este vasto país, por ter dado cursos e
palestras em mais de 100 empresas, por ter ouvido muitos dirigentes e
responsáveis pelo setor de Recursos Humanos, hoje eu tenho mais uma certeza.
Anotem outras duas exigências: português e matemática financeira.
Leitor quer saber minha opinião a
respeito de algumas mensagens publicitárias que apresentam, segundo ele, erros
gramaticais.
Na sua mensagem, ele diz:
“…sempre fui voto vencido. Quando questionava uma frase por conter algum erro
gramatical, sempre havia aqueles que diziam que a linguagem publicitária é
diferente, que pode tudo ou usavam outros argumentos com os quais nunca
concordei. Caro professor, comente as frases abaixo sob a luz da gramática
tradicional. Faça de conta que não é propaganda. Quero apenas testar os meus
conhecimentos gramaticais adquiridos há algum tempo e que me custaram muito sofrimento”.
As frases são as seguintes:
Vem pra Caixa você também.
Você quer um desconto? Faz um 21!
Obedeça sua sede.
O primeiro pagamento só daqui 45
dias.
Quem lê, sabe.
Vota Brasil.
Vamos dividir a resposta em três
partes:
1a) Nos dois primeiros exemplos,
encontramos o mesmo problema. É um vício de linguagem muito característico do
português falado no Brasil. É o chamado duplo tratamento (=mistura de 2a com 3a
pessoa).
O pronome “você” vem de “vossa
mercê”. Trata-se de um pronome de tratamento. Faz concordância na 3ª pessoa
(=você vem, você faz, você fala…), embora se refira ao receptor da mensagem
(substitui o pronome “tu” = 2ª pessoa do discurso).
A mistura ocorre na hora de
usarmos o verbo no imperativo afirmativo. Enquanto a 2ª pessoa vem do presente
do indicativo sem o “s” (=vem tu, faze ou faz tu, fala tu), a 3ª pessoa vem do
presente do subjuntivo:
que você venha – venha você;
que você faça – faça você;
que você fale – fale você.
Assim sendo, num texto formal em
que se fizesse necessário o uso culto da língua portuguesa, deveríamos dizer:
Venha para Caixa você também;
Você quer um desconto? Faça um
21.
2a) Nos exemplos 3 e 4, houve a
omissão indevida da preposição “a”. O verbo “obedecer” é transitivo indireto.
Se você realmente obedece, sempre deverá obedecer “a” alguma coisa. A mesma
propaganda diz que “a imagem não é nada”. Pelo visto, para os autores da frase,
a preposição também não é. O certo seria “Obedeça a sua sede”. O uso do acento
da crase, nesse caso, é facultativo.
No exemplo 4, também está
faltando a preposição. Tudo é “daqui a”: “O primeiro pagamento só daqui a 45
dias”.
3a) Os dois últimos exemplos já
foram comentados nesta coluna. Evitando voltar às velhas discussões sobre o
assunto, repito apenas a minha opinião.
Em “Quem lê, sabe”, não
deveríamos usar a vírgula, pois separa o sujeito do predicado: “Quem lê sabe”;
“Quem bebe Grapete repete”.
Em “Vota Brasil”, falta a
vírgula. O termo “Brasil” não é o sujeito da oração. É vocativo. A forma verbal
(= vota) está no imperativo. Deveríamos escrever: “Vota, Brasil”.
2) CRASE IMPOSSÍVEL
Leitor quer saber a minha opinião
a respeito do excessivo uso do acento da crase numa única página da internet:
“…ainda à partir da segunda metade (…) só tende à esquentar (…) surpreendeu à
todos (…) rodando à 1,5GHz (…) melhora o suporte à CD (…) suporte à HTLM
moderno (…) rodando à 433MHz e 466MHz…”
O nosso leitor tem inteira razão.
O autor da página não acertou uma sequer. Em todos os casos não ocorre a crase
porque não há artigo definido. Temos apenas a preposição “a”.
Não esqueça que é impossível
haver crase:
1o) antes de verbo: “a partir da
segunda metade”, “tende a esquentar”;
2o) antes de palavras masculinas:
“surpreendeu a todos”, “suporte a HTLM moderno”.
3) MEGA SENA ou MEGA-SENA
ou MEGASSENA?
Carta de leitor: “Insisto com o
problema do mega: mega-sena, mega sena, megasena ou megassena? Há meses aguardo
uma explicação e já estou desconfiado de que não tenho resposta justamente por
causa da insistência. Puxa, lá vem de novo aquele cara chato com a questão da
megassena. Tudo indica que esta seja a forma correta, mas a dúvida permanece.”
Só vou responder devido à sua
insistência, pois considero essa discussão um caso perdido.
O elemento “mega”, segundo o novo
acordo ortográfico, só deve ser usado com hífen se a palavra seguinte começar
por H ou vogal igual à última do prefixo: mega-avaliação, mega-hospital…
Nos demais casos, é sempre usado
sem hífen, “tudo junto” como se diz popularmente: megacéfalo, megaevolução,
megafone, megassismo, megawatt, megaevento, megaempresário…
Assim sendo, deveríamos escrever “megassena”.
Por ser uma marca, torna-se um caso perdido, ou seja, não tem volta.
Outro problema é a necessidade do
“ss” para manter o som do “esse”. Há muito tempo aprendemos que um “s” entre
vogais representa o som do “zê”.
Se isso fosse respeitado,
escreveríamos “telessena”, “aerossol”, “Mercossul”…
Quem lê esta coluna com certa
frequência já sabe. Estou há mais de um mês tentando organizar a minha correspondência,
por isso não estranhe o fato de eu fazer alusão a uma carta antiga ou escrever
a respeito de alguma pergunta já respondida. É que o número de leitores novos,
graças a Deus, é muito maior do que eu imaginava.
O assunto de hoje é bem
interessante. Por meio de fax, mensagens eletrônicas ou cartas, vários leitores
querem saber se o verbo “suicidar-se” é um pleonasmo ou não.
O argumento basicamente é o
seguinte: o verbo “suicidar-se” vem do latim “sui” (”a si” = pronome reflexivo)
+ “cida” (=que mata). Isso significa que “suicidar” já é “matar a si mesmo”.
Dispensaria, dessa forma, a repetição causada pelo uso do pronome reflexivo
“se”.
Quanto à etimologia (=origem da
palavra), os leitores têm razão.
Já que falamos em etimologia, é
importante lembrar que as palavras terminadas pelo elemento latino “cida”
apresentam essa triste ideia de “matar”: se o formicida mata formigas, se o
inseticida mata insetos e se o homicida mata homens, o suicida só pode matar a
si mesmo.
Não devemos, entretanto, fazer
confusões. Existe uma pelo menos que, em vez de matar, salva muitas vidas: é a
Nossa Senhora de Aparecida. A nossa padroeira, graças a Deus, tem outra origem.
Voltando ao verbo “suicidar-se”.
Na verdade, os nossos leitores só têm razão quanto à origem da palavra. Se
observarmos o uso contemporâneo do verbo “suicidar-se”, não restará dúvida:
ninguém diz “ele suicida” ou “eles suicidaram”. O uso do pronome reflexivo “se”
junto ao verbo está consagradíssimo. É um caminho sem volta. É um pleonasmo
irreversível.
O verbo “suicidar-se” hoje é tão
pronominal quanto os verbos “arrepender-se”, “esforçar-se”, “dignar-se”… Da
mesma forma que “ela se esforça” e “eles se arrependeram”, “ela se suicida” e
“eles se suicidaram”.
Diferente é o caso do verbo “autocontrolar-se”.
O prefixo “auto” vem do grego e significa “a si mesmo”. Existe o substantivo
“autocontrole” (=controle de si mesmo”), mas não há registro do verbo “autocontrolar-se”.
Se você quer “controlar a si mesmo”, basta “controlar-se”.
É interessante, porém, saber que
os nossos dicionários registram “autocriticar-se”, “autodefender-se”,
“autodefinir-se”, “autodenominar-se”, “autodestruir-se”, “autodisciplinar-se”,
“autoenganar-se”, “autogovernar-se”…
Resumindo: o uso correto do verbo
é SUICIDAR-SE.
2) “Estamos a VOSSO ou
SEU dispor”?
Os pronomes de tratamento (=
senhor, Vossa Senhoria, Vossa Excelência…) fazem concordância na 3a pessoa.
Portanto, o correto é “estamos a seu dispor”.
Não esqueça que Vossa Senhoria e Vossa
Excelência são iguais a você (=3a pessoa), e não a vós (2a pessoa do plural).
Observe o exemplo:
“Vossa Senhoria deve comparecer à
reunião do próximo dia 20. Ficamos a sua disposição para mais esclarecimentos.”
3) ALGUM ou NENHUM?
Deu na Aula Extra: “…não
faça restrição alguma…”, “…palavra sem registro algum”.
Comentário de um leitor: “Meu
velho professor de Português já ensinava nos anos 30 que é correto o uso de
duas negativas em uma oração, assim: não vou não, não tenho dinheiro nenhum.
Não seria melhor, e até mais
bonita, a forma sugerida pelo meu professor?”
Eu também não considero erro o
uso de duas negativas. São inevitáveis frases do tipo “não fiz nada” e “não vi ninguém”.
Entretanto, se for possível,
prefiro evitar a repetição de negativas. Em resumo:
1o) Não considero errada a frase
“não tenho dinheiro nenhum”;
2o) Prefiro não repetir as
negativas: “não tenho dinheiro algum”;
3o) Prefiro mesmo é “ter algum
dinheiro”!!!
4) HAJA VISTA ou HAJA
VISTO?
Deu na Aula Extra: “Foi demitido haja
vista o problema surgido.”
Leitor protesta: “O senhor escreveu
que não existe a forma haja visto. Mas haja visto não é o pretérito perfeito do
subjuntivo, formado pelo subjuntivo do verbo haver (haja) e o particípio do
verbo ver (visto)? O particípio corresponde a um adjetivo e flexiona-se. No
exemplo acima o particípio deve concordar com a palavra problema, que é
masculina. Então, acho que haja visto pode ser empregado corretamente na frase
acima.”
Você tem razão quando diz que haja
visto pode ser a forma composta do verbo ver: “Embora o comentarista haja visto
(=tenha visto) o lance várias vezes, a dúvida permaneceu.”
Não devemos, entretanto,
confundir os casos. Na frase analisada nesta coluna, a expressão “haja vista”
significa “tendo em vista, devido a, por causa de”. Não é verbo. É uma
expressão tão invariável quanto “tendo em vista”: “Foi demitido haja vista (ou tendo
em vista) o problema surgido”.
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