Carta O Berro.........................................................repassem
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Correio
Braziliense 24.08.2012
Escritor, é autor de A obra do
artista: uma visão holística do Universo (José Olympio), entre outros livros
Em 2010, o mundo foi
surpreendido pela divulgação de uma série de documentos comprobatórios de que
muitos governos e autoridades dizem uma coisa e fazem outra. A máscara caiu.
Todos viram que o rei estava nu.
O site WikiLeaks,
monitorado pelo australiano Julián Assange, publicou documentos secretos que
deixaram governos e autoridades envergonhados, sem argumentos para justificar
tantos abusos e imoralidades.
Maquiavel já havia afirmado, no século 16, que a
política tem pelo menos duas caras. A que se expõe aos olhos do público e a que
transita nos bastidores do poder.
Bush e Obama admitiam
torturas no Iraque, no Afeganistão e na base naval de Guantánamo, enquanto
acusavam Cuba, na Comissão de Direitos Humanos da ONU, em Genebra, de maltratar
prisioneiros.
O WikiLeaks nada inventou.
Apenas se valeu de fontes fidedignas para coletar informações confidenciais, em
geral constrangedoras para governos e autoridades, e divulgá-las. Assim, o site
desempenhou importante papel pedagógico. Hoje, as autoridades devem pensar duas
vezes antes de dizer ou fazer o que as envergonhariam, caso caísse em domínio
público.
Apesar da saia justa, o cinismo dos governos parece não
ter cura. Em vez de admitirem erros e tramoias de bastidores, preferem bancar a
raposa da fábula de Esopo, divulgada por La Fontaine. Já que as uvas não podem
ser alcançadas, melhor alegar que estão verdes...
Acusam Julián Assange não de
mentir ou divulgar documentos falsos, mas de haver praticado estupro de
prostitutas, na Suécia. Ora, com todo respeito à mais antiga profissão do
mundo, sabemos que prostitutas se entregam a quem lhes paga. E por dinheiro (ou
ameaça de extradição quando são estrangeiras) algumas delas podem ser induzidas
a fazer declarações inverídicas, como a esdrúxula acusação de estupro.
Muito estranho,
considerando que relações com prostitutas muitas vezes parecem um estupro
consentido. O cliente paga pelo direito de usar e abusar de um corpo desprovido
de reciprocidade: sem afeto e libido. Daí a sensação de fraude que o acomete
quando deixa o prostíbulo. Perdeu o sêmen, o dinheiro... e não encontrou o que
procurava: amor.
De fato, governos e
autoridades denunciados pelo WikiLeaks é que estupraram a ética, a decência, a
soberania alheia, acordos e leis internacionais. Assange e seu site foram
apenas o veículo capaz de tornar mundialmente transparentes documentos com
informações mantidas sob rigoroso sigilo.
Punidos deveriam ser aqueles que,
à sombra do poder, conspiram contra os direitos humanos e a legislação
internacional. No mínimo, deveriam fazer autocrítica pública, admitir que
abusaram do poder e violaram princípios áureos, como foi o caso de ministros
brasileiros que se deixaram manipular pelo embaixador dos EUA, em Brasília.
Assange se encontra refugiado na
embaixada do Equador, em Londres. O governo de Rafael Correa já lhe concedeu o
direito de asilo no país latino-americano. Porém, o governo britânico, do alto
de sua majestática prepotência, ameaça prendê-lo caso ele saia da embaixada a
caminho do aeroporto, onde embarcaria para Quito.
Nem a ditadura brasileira na
Operação Condor chegou a tanto em relação a centenas de perseguidos refugiados
em embaixadas de países do Cone Sul. Por isso, a OEA, indignada, convocou uma
reunião de seus associados para tratar do caso Assange. Este teme ser preso ao
deixar a embaixada e entregue ao governo sueco que, em seguida, o poria em mãos
dos EUA, que o acusam de espionagem %u2014 crime punido, pelas leis estadunidenses,
inclusive com a pena de morte.
Assange não se nega a
comparecer perante a Justiça sueca e responder pela acusação de estupro. Teme
apenas ser vítima de uma cilada diplomática e acabar em mãos do governo mais
desmoralizado pelo WikiLeaks, o que ocupa a Casa Branca.
O caso Assange já prestou
inestimável serviço à moralidade global: demonstrou que, debaixo do sol, não há
segredos invioláveis. Como diz o evangelho de Lucas (12, 2 e 3), “nada há
encoberto que se não venha a descobrir; nem oculto, que se não venha a saber.
Por isso o que dissestes nas trevas, à luz será ouvido; o que falastes ao
ouvido no interior da casa, será proclamado dos telhados”.
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