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Greve
contra o povo: Legislativo omisso
Jornal
do BrasilDalmo Dallari*
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Os servidores públicos federais estão em greve: os
traficantes e contrabandistas agradecem e farão o possível para apoiar a
continuidade da greve. Numa outra perspectiva: os servidores públicos estão em
greve: a população privada de serviços essenciais e sem meios para suprir com
recursos próprios as necessidades básicas dependentes desses serviços lamenta
profundamente e espera que os servidores voltem a prestar os serviços o mais rápido possível. O noticiário dos
jornais e da televisão deveria ter acordado a consciência dos que, liderando
organizações de trabalhadores do setor público, não conseguem imaginar formas de
apresentação de suas reivindicações e de protesto contra a demora ou recusa em
atendê-las que não agridam o povo e que obtenham o apoio desse mesmo povo para
que sejam tratados com justiça.
Tendo em conta os graves prejuízos sociais
acarretados imediata e inevitavelmente pela greve no setor público, é
necessário e oportuno ressaltar alguns aspectos jurídicos e políticos que têm
sido omitidos pela imprensa. O primeiro ponto que deve ser considerado é o
direito de greve nos serviços públicos, que é diferente do setor privado.
O direito de greve dos servidores públicos está
expressamente previsto na Constituição brasileira de 1988, em seu artigo 37,
que estabelece os princípios e as normas básicas a que estará sujeita a
administração pública, direta e indireta, de qualquer dos poderes da União, dos
estados, dos municípios e do Distrito Federal. No inciso VII desse artigo
está especificado o direito de greve, nos seguintes termos: “O direito de greve
será exercido nos termos e nos limites definidos em lei específica”.
O primeiro ponto que deve ser ressaltado é
que fica evidente que não se aplica aos servidores públicos a lei
regulamentadora da greve no setor privado, pois existe a exigência expressa de
lei específica. E como até agora, decorridos mais de vinte anos de vigência da
Constituição, não foi elaborada a lei específica, fica em aberto, sem
regulamentação, o direito de greve dos servidores públicos. Isso tem levado à
tomada de posições extremadas quanto a esse direito. De um lado, há quem
pretenda que enquanto não for elaborada a lei regulamentadora,
constitucionalmente exigida, o direito de greve dos servidores públicos não
poderá ser exercido. Em sentido oposto, invoca-se a disposição do § 1º do
artigo 5º da Constituição, segundo o qual “as normas definidoras dos direitos e
garantias fundamentais têm aplicação
imediata”.
Esse ponto já foi objeto de decisão do Supremo Tribunal
Federal, que, pelos votos da maioria de seus membros, decidiu que enquanto não
for elaborada a lei específica prevista na Constituição será aplicada aos
servidores públicos a lei regulamentadora da greve no setor privado, com as
adaptações e ressalvas exigidas pela natureza dos serviços e por sua
repercussão sobre os direitos e as necessidades essenciais do conjunto da
população. Evidentemente, se prevalecer esta orientação, haverá necessidade de
bom-senso, equilíbrio, boa vontade e espírito público das autoridades com poder
disciplinar sobre os grevistas, como também destes últimos, pois além do ponto
essencial, que é a sonegação de serviços essenciais à cidadania, haverá o
problema da diversidade dos serviços e, consequentemente, de sua repercussão sobre
os direitos e as necessidades dos que dependem de tais serviços. Dependendo da
forma como agirem os grevistas e da dimensão e intensidade dos prejuízos que
causarem com sua negativa de prestar os serviços a que se obrigaram, a greve
poderá ser considerada abusiva, com a imposição de penalidades aos grevistas, a
partir da suspensão do pagamento da remuneração contratada, uma vez que não
estão prestando os serviços, descumprindo a obrigação assumida.
Outro ponto fundamental que deve ser posto em
evidência é a absurda omissão do Poder Legislativo. A Constituição foi
promulgada em 5 de outubro de 1988, e até agora o Legislativo não cumpriu sua
obrigação constitucional de elaborar a lei regulamentadora do exercício do
direito de greve no setor público, como foi expressamente determinado já na
versão original de 1988. Se o Legislativo tivesse cumprido seu dever
constitucional poderia haver discussões e divergências sobre o sentido e o
alcance de alguns dispositivos legais, mas haveria uma disciplina legal básica
e seria bem mais fácil impedir os abusos e assegurar o respeito aos direitos
básicos da cidadania, entre os quais está o direito aos serviços públicos para
atendimento das necessidades e para a convivência pacífica, digna e bem
ordenada.
* Dalmo de Abreu Dallari é
jurista. dallari@noos.fr
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