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10 dezembro, 2010

Redundancia ? - Catarse Pedagogica

Contextualizando o início

Ali naquele cortiço, num dos becos da Rua Araguari, perto do campo do Cruzeiro, moravam umas seis famílias, em cada um dos dois andares, construídos na base do puxadinho, pagando alugueis de 1, 2 ou 3 cômodos, conforme suas posses, e mais alguns quartinhos individuais, salpicados nas sobras do lote. O tanque e o banheiro coletivos ficavam um em cada andar. Compartilhava-se de tudo, querendo ou não. Para cada situação ou momento, se definia os urgentes e diferentes direitos de privacidade.
Eram moradores flutuantes, de ambos os sexos, idades, comportamentos, solteiros ou não, agregados mais ou menos por profissões, que se enturmavam conforme as noticias do “boca a boca”. Uma forma especial de comunicação, com seus códigos peculiares, usados tanto na defesa de interesses pessoais ou do grupo, como também na criação de lazer, cantorias, piadas.
Possuíam regras rígidas no gerenciamento de conflitos. Elegiam a figura de um “xerife” que era reconhecido por todos da comunidade através de uma espécie de poder que deveria ser respeitado e visualizado.
Por força das circunstancias, recebiam parentes vindos do interior, mudando para a cidade grande ou tentativa de resolver problemas de saúde. Muitas mudanças aconteciam na calada da noite, por ficarem sem condições de bancar a alta do aluguel ou perder seus empregos. Esta questão prejudicava o estabelecimento de vínculos, apesar de ser muito forte a figura respeitosa dos compadres e comadres, e a maioria dos laços serem feitos verbalmente: “ninguém é obrigado a prometer nada, mas se prometeu era obrigado a cumprir”. Hábitos dos chamados contratos selados com fios de “bigode”, utilizando o peso da palavra.
A preocupação principal de sobrevivência era a solidariedade e a comida. O resto era visto como luxo, roupa, sapatos, livros, estudos. Uma linha muito tênue separava o que era resolvido entre quatro paredes ou pelo “conselho publico”: o que poderia ou não ser feito, qual a melhor forma de resolver a questão: brigas de casais, educação dos filhos, pagamento de dividas, troca de emprego, compra de utensílios, fosse o que fosse.
Os espaços eram precários para o desenvolvimento de crianças conforme o figurino social. Proibido brincar com outras crianças na casa dos outros ou utilizar dos espaços externos das moradias.
Independente da idade, freqüentar ou permanecer em algum grupo escolar era uma considerável vitória e orgulho para os pais e, comumente obedecia-se priorizar a alfabetização para os meninos, mas começando pelos mais velhos.
Na minha casa moravam, meu pai e minha mãe, minha irmã mais velha um ano, e eu. Só que meu pai exercia os poderes de arrimo de família, onde entravam os dez irmãos dele e os oito de minha mãe. Todos os problemas desse pessoal eram aglutinados diretamente na nossa casa, em busca de solução: dos mais complexos até uma simples extração de dente. Meu pai ouvia, pensava e dava a ordem de como seria resolvido, minha mãe ficava no suporte, cuidar dos doentes, cozinhar, lavar, passar e engomar roupas, passar cera e escovão nos cômodos, cumprir a escala da lavagem do banheiro e da entrada do beco, mais profissional do sapato.
Ele era tido na praça como artista do couro e entendedor de todo o processo de uma linha de produção, da criação, confecção, modelagem de sapatos, luvas, solidéu, carteiras e bolsas. Minha mãe era a pessoa de confiança em executar tudo que ele queria, com seu extremo capricho.
O tempo era da segunda guerra. O país com suas crises O serviço passou a ser executado num desses cômodos, por contenção de despesas da fabrica que vivia ameaçada de falência e o Mario Grosso para ajudar, resolveu terceirizar para meu pai, parte da produção, sem qualquer pagamento extra é claro.. Cortava-se o vinculo empregatício, ele continuaria tendo serviço em casa, para ele e minha mãe..
Tudo isso era feito ali com duas maquinas de costura, que se revezavam caso acontecesse algum estrago.
Cada um tinha cuidados especiais com as suas ferramentas de trabalho, mantidas em perfeita ordem: um martelinho, uma tesoura, uma faca especial, uma pedra de amolar, porque segundo eles, eram moldadas por suas mãos. A produção não podia cair, tinha que ser a todo custo plenamente satisfeita, com competência, hora e data marcada. As remessas chegavam e eram colocadas numa bancada, tipo uma mesa grande e larga de madeira grosseira. Nesse espaço eram empilhados pedaços de couro, linhas de diversas cores, rolos de barbantes, papel manilha, amostras de modelos de sapatos, duas pedras pequenas de mármore. Tudo para serem separadas por cores, pares, de acordo com a amostra, chanfrados, picotados, passado cola, virados, pespontados, montados, organizados por números, no final desse processo eram recolhidos à linha de montagem, retornando á fabrica.
No meio de tudo isto duas crianças: uma hiperativa, um ano mais velha, e eu até 3 anos que me arrastava pelo chão e obedecia facilmente: “estátua aí”, ninguém se mexe. Como ela resolveu isso? Colocava-me em cima da bancada com um giz de cera preto ou amarelo, criava um código (um pauzinho, um O, um risquinho em baixo, outro em cima, do lado esquerdo, do lado direito um triangulo, um quadradinho) que corresponderia a um respectivo numero, colocado como modelo num pedaço de papel, para eu copiar em cada peça de um modelo. Sem saber ela estava fazendo, entre outras coisas, eu perceber correspondências e me apaixonar por sons e símbolos. Ela repetia: um. Isto é um. Assim é um. E daí por diante. Passei a associar com o tempo, símbolos e sons e associá-los.
Por estas questões sociais o estudo de teorias de aprendizagem de forma diversificada é bastante importante na formação do exercício de Professor. Mesmo que sejam estrangeiras e mereçam algumas adaptações, parece que foram elaboradas pensando-se num cidadão do mundo, tal o empenho lógico na sua criação. No caso, a de Reuven Feurstein compreende e contempla isto muito bem. (Aprendizagem Mediada; Síndrome de Privação Cultural, Mediação do Sentimento de Pertencimento; Mediação do Sentimento de Competência).

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