Algumas Vitórias
O exercício pedagógico foi bem experimentado neste ginásio.
Quando cheguei, uma das professoras de Português e Inglês lideravam o grupo de letras, já estavam inovando, dada as condições, para a época. Treinava os meninos em conversação utilizando daqueles gravadores, lembrado hoje como tijolo, onde o aluno poderia ouvir sua voz e fazer as correções necessárias. Era o tempo dos Jackson’s Five, e nem precisa dizer que os meninos explodiam de alegria.
As professoras identificavam a parte do conteúdo que mais dominavam e se arranjavam em aulas de gramática e literatura. Época dos exercícios estruturais. Professor não podia dar gramática explicita. Não estava na moda. Não sei avaliar se melhor ou pior, mas os modismos educacionais se tornaram mais céleres e inconstantes. A campanha contra o ensino tradicional de giz e quadro ganhava força e adesão, de forma nem sempre conveniente ou organizada.
A burocracia também atingia diretamente ao professor: apresentar plano de curso, relatórios, eleição de conteúdos não muito flexíveis, que geravam grandes períodos de discussões.
Nas matemáticas, tínhamos sempre bons professores, mesmo um que tinha formação de engenharia era bem adaptado com os alunos e se conseguia sempre bons resultados.
Ciências oscilavam um pouco.
Geografia e Historia era complicada para chegar à compreensão dos meninos. Provavelmente porque não eram treinados a aprender dentro dos conceitos de identidade, espaço e tempo.
Tínhamos O.S.P.B. (Organização Política e Social Brasileira) e E.M.C (Educação Moral e Cívica) dadas por um Professor autodidata, contador, queridíssimo na comunidade. Ganhou inclusive uma gincana como melhor professor, da TV Itacolomi. Na apuração o segundo colocado ficou com os prêmios mais importantes porque era credenciado e o João Eli, não. Recebeu como consolação uma viagem que nunca aconteceu e uma caixa com alguns livros.
Todos nós tínhamos muito orgulho dele. Morreu cedo, dizia de amor.
Um dia eu estava sozinha na escola, esperando o segundo turno e, como não tinha o que comer, passei mal.
Dei sorte que ele chegou e me ofereceu ir ate a casa dele pra comer alguma coisa, tomar água, ou cafezinho. Como ele morava no lote da escola, fomos ate lá e, enquanto sua esposa preparava qualquer coisa com os olhos arregalados. Naquele tempo diretora era chamada de dona, e ela achou importante a visita em casa, só que deveria ser avisada com antecedência. Ele me chamou até o quarto de seus filhos, puxou uma caixa de papelão e me disse todo orgulhoso, “isto é uma biblioteca, eu não tive, mas meus filhos terão.”
Só que os livros nas condições de sua moradia, já estavam mofados, e fora alguns poucos de literatura, superados.
Me deu um engasgo brabo, elogiei é claro a preocupação dele. A imagem disto nunca saiu de minha cabeça. Pelo menos por enquanto.
A pressão da Secretaria não ofertava autorização para quem não tinha a documentação exigida.
Enquanto pudemos enrolar, um professor pegava o cargo em turno diferente para ele. O conteúdo dado, o nosso grupo que escolhia, e para não complicar, eram através de temas práticos sobre saneamento básico, primeiros socorros, alimentação, primeiro emprego, mercado de trabalho, mais perto do que ele dominava e das necessidades dos alunos.
Seguir o conteúdo oficial destas disciplinas era muito difícil.
A juventude permite que você arrisque muita coisa que vão mudando com o tempo. Para que muitas dessas atitudes aconteçam, a força do grupo é fundamental.
Para a situação que vivíamos ali a presença dele era indispensável, nos dava força, era muito alegre, expressivo, expansivo. Um dos mais dedicados responsáveis pela construção da escola. Era um arquivo vivo. Sabia de tudo relacionado: onde passava fiação, encanamento de água e esgoto, até a fossa. Mas sabia também o mais importante, improvisar, e com a sua coragem, podíamos contar. Se precisasse, estava sempre as ordens.
Um bom exemplo é quando estávamos tentando cumprir as exigências da parte física da escola com a participação e idéia dele, construção dos banheiros. A inspetora estava ali para fazer relatório e dar prazo, sobre as questões físicas do prédio. Teríamos que ter no mínimo seis sanitários para os alunos. Então nós colocamos a inspetora de frente para uma porta, num lugar estratégico que ela percebia quem transitava em uma parte do corredor.
O João Eli se fantasiou de carregador (ele andava sempre muito bem arrumado), sujou a cara, respingou água, dando a impressão de que estava super suado, chegou à porta e gritou: “ô dona, onde ponho essa mercadoria, não posso ficar tanto tempo esperando, a areia e o cimento já tá aí fora”. Isto tudo, carregando um vaso sanitário nas costas. Passou as seis vezes, e em todas elas, ele reclamava de alguma coisa comigo para chamar a atenção. Se a mulher percebeu alguma coisa, não disse nada. Anotou os seis sanitários como ok. O vaso emprestado foi devolvido ao deposito.
Em outro dia, outra inspetora, veio para cobrar a cantina dos alunos. Estávamos frente a mais uma crise. Achar espaço disponível. Tinha um vão de comprido no primeiro andar que dava para o pátio. Resolvemos economizar parede e projetamos ali. Veio à necessidade de se ter a assinatura de um engenheiro responsável pela obra, devido a uma denuncia de ilegalidade, antes mesmo do inicio da obra. Nosso professor engenheiro já estava se desligando da escola, mas de pronto disse, fez e assinou o projeto. Um outro de matemática se comprometeu a fazer os cálculos. Dinheiro? Trabalhar uma festa no sábado à noite. Mostramos a planta, ela estipulou o tempo e nós fomos correr atrás. Não sei que argumento que a sensibilizou. Estava trabalhando, quando uma das meninas entrou: “chegaram aqui umas caixas de papelão. Você fez pedido de alguma coisa?”
Eram umas três panelas enormes de cantina e vários utensílios, pratos, talheres, facas de corte, tabuleiros, bandeja, copo.
Um cartãozinho com o desejo de bom proveito e boa sorte. Era da inspetora.
Passado mais pouco tempo, outra veio com a cobrança de um numero mínimo de títulos e de um local especifico para a biblioteca. Resolvemos reformar o barraco que o João Eli morava. Tinha mudado para um lote comprado e construído por sua mulher, principalmente pelas pressões administrativas que sofria. Nós também. Mas para nós era melhor porque tínhamos casa para voltar.
Sentia-se também envergonhado por alguém assinar por ele, nas aulas que tanto gostava.
Tiramos as paredes divisórias, improvisamos um telhado, caiamos com tinta verde, resultante de uma mistura de cores, colocamos duas mesas, pufts que as próprias professoras fizeram.
O dinheiro para comprar os livros veio de Frei Raul e de Nicolau. Fizemos à cotação e apareceu um vendedor da Abril Editora, primeiro nordestino alto que vi, que acabou ficando nosso amigo e fazendo tudo caber no orçamento, as nossas necessidades de ser no mínimo, cento e cinqüenta títulos.
Pedi que colocassem o nome do Professor João Eli nesta biblioteca.
A lei dizia ou ainda diz, que o nome só o de pessoas mortas. Não passou. Pouco tempo depois ele morreu. Não sei com que nome ficou a biblioteca atualmente. Fazia parte obrigatória do calendário escolar comemorar Semanas: da Pátria, da Alimentação, da Cultura e de Ciências. Atrapalhavam muito, os professores achavam que era muito tempo (04 semanas letivas), com um retorno questionável. Resolvemos assim: nestes três anos, nossos alunos, não fariam comemoração com desfile, enquanto não houvesse direito livre de expressão. A da alimentação, tinha dia só um dia de lanche especial.
Unimos a de ciência e cultura e transformamos em semana da arte. Trabalhos surpreendentes de Professores, alunos e comunidade. Tínhamos festival de musica, exposições com coqtail para burilar os meninos, com boa repercussão. Os alunos eram orgulhosos de pertencer ao Primeiro de Maio e estudar no “ginasinho”.
Outra boa razão que acho de direito do ginásio José de Anchieta Machado ter um reconhecimento histórico por suas peculiaridades, é de como surgiu, o trabalho que desenvolveu pedagogicamente, a luta empreendida para ajustarem-se as leis, o fato desta resistência haver sido vivenciado em pleno regime de exceção.
Um desses ultimatos de fechamento parecia intransponível. Frei Raul já estava na paróquia do Sto. Antonio, mas sempre que podia, ia nos visitar, alem de deixar bilhetes, telefonar para minha casa, me aguardar por lá. Um dia, Frei Raul disse que entre seus fieis do Sto. Antonio, havia uma pessoa muito importante que chegaria a Belo Horizonte, e que apesar de ter uma agenda muito cheia, nos receberia em torno das nove horas da noite. Era importante no governo, e talvez com sua influência, poderia evitar o fechamento da escola.
Lá fomos nós. Nem passava pela minha cabeça que pessoa era esta. Deu boa noite, disse que estava recém chegado de viagem e nosso tempo seria de meia hora. O Frei disse que estávamos ali pedindo ajuda, porque não conseguíamos ser aceitos legalmente pelo sistema educacional e fora decretado nosso fechamento. Me passou a palavra para que explicasse os fatos. Depois de muito argumentar ele disse: mas o que a senhora esta me pedindo é totalmente irregular. O que posso fazer é engrossar o pedido deste fechamento, e o mais rápido possível.
Eu respondi: pois então eu me nego a dar a noticia a comunidade. Temos mil e quatrocentos alunos, o senhor some a isto pai, mãe, vizinhos, agregados, cachorros e gatos, todos colocados no alto do morro, e eu quero ver quem vai ter coragem de dar a noticia.
Disse isto colocando a chave da escola em cima da mesinha da sala dele. O homem levantou também e perguntou: qual o seu nome menina? Um filme passou na minha cabeça com minha mãe chorando, me levando chocolate na cadeia, já que eu não fumava. Na hora que respondi: Ivany Soares, aí é que ficou bravo mesmo. Seu nome completo, senhorita? Ivany soares.
O Frei respondeu; é só isso mesmo. Muito obrigado e encaminhou me puxando para a porta.
Do lado de fora me falou: você não sabe que estava falando com o Mourão Filho? Disse: não posso fazer nada.
Veio um tempo de calmaria, mas nosso sufoco continuava. Um dia parou um táxi, desceu um senhor, perguntou se eu estava, deixou um pacote de papel oficio que deveria me ser entregue.
Quando cheguei à escola o envelope estava em cima da mesa com o pessoal olhando, abre não abre com medo de bomba.
Eram diversas folhas de papel do tamanho almaço, escritas com canetas diversas, muito caprichadas, mais um bilhete pedindo desculpas por entregá-lo sem datilografar. Continha pistas de brechas nas leis que eu poderia usar. Li. Deixei o pacote em cima da mesa e não toquei mais no assunto. Com o tempo percebi que desconsiderei a importância de um documento histórico. O pacote se perdeu.
Quando completamos três anos, em dezembro, foi convocada uma assembléia das Obras Sociais Senhora da Gloria. É.
O exercício pedagógico foi bem experimentado neste ginásio.
Quando cheguei, uma das professoras de Português e Inglês lideravam o grupo de letras, já estavam inovando, dada as condições, para a época. Treinava os meninos em conversação utilizando daqueles gravadores, lembrado hoje como tijolo, onde o aluno poderia ouvir sua voz e fazer as correções necessárias. Era o tempo dos Jackson’s Five, e nem precisa dizer que os meninos explodiam de alegria.
As professoras identificavam a parte do conteúdo que mais dominavam e se arranjavam em aulas de gramática e literatura. Época dos exercícios estruturais. Professor não podia dar gramática explicita. Não estava na moda. Não sei avaliar se melhor ou pior, mas os modismos educacionais se tornaram mais céleres e inconstantes. A campanha contra o ensino tradicional de giz e quadro ganhava força e adesão, de forma nem sempre conveniente ou organizada.
A burocracia também atingia diretamente ao professor: apresentar plano de curso, relatórios, eleição de conteúdos não muito flexíveis, que geravam grandes períodos de discussões.
Nas matemáticas, tínhamos sempre bons professores, mesmo um que tinha formação de engenharia era bem adaptado com os alunos e se conseguia sempre bons resultados.
Ciências oscilavam um pouco.
Geografia e Historia era complicada para chegar à compreensão dos meninos. Provavelmente porque não eram treinados a aprender dentro dos conceitos de identidade, espaço e tempo.
Tínhamos O.S.P.B. (Organização Política e Social Brasileira) e E.M.C (Educação Moral e Cívica) dadas por um Professor autodidata, contador, queridíssimo na comunidade. Ganhou inclusive uma gincana como melhor professor, da TV Itacolomi. Na apuração o segundo colocado ficou com os prêmios mais importantes porque era credenciado e o João Eli, não. Recebeu como consolação uma viagem que nunca aconteceu e uma caixa com alguns livros.
Todos nós tínhamos muito orgulho dele. Morreu cedo, dizia de amor.
Um dia eu estava sozinha na escola, esperando o segundo turno e, como não tinha o que comer, passei mal.
Dei sorte que ele chegou e me ofereceu ir ate a casa dele pra comer alguma coisa, tomar água, ou cafezinho. Como ele morava no lote da escola, fomos ate lá e, enquanto sua esposa preparava qualquer coisa com os olhos arregalados. Naquele tempo diretora era chamada de dona, e ela achou importante a visita em casa, só que deveria ser avisada com antecedência. Ele me chamou até o quarto de seus filhos, puxou uma caixa de papelão e me disse todo orgulhoso, “isto é uma biblioteca, eu não tive, mas meus filhos terão.”
Só que os livros nas condições de sua moradia, já estavam mofados, e fora alguns poucos de literatura, superados.
Me deu um engasgo brabo, elogiei é claro a preocupação dele. A imagem disto nunca saiu de minha cabeça. Pelo menos por enquanto.
A pressão da Secretaria não ofertava autorização para quem não tinha a documentação exigida.
Enquanto pudemos enrolar, um professor pegava o cargo em turno diferente para ele. O conteúdo dado, o nosso grupo que escolhia, e para não complicar, eram através de temas práticos sobre saneamento básico, primeiros socorros, alimentação, primeiro emprego, mercado de trabalho, mais perto do que ele dominava e das necessidades dos alunos.
Seguir o conteúdo oficial destas disciplinas era muito difícil.
A juventude permite que você arrisque muita coisa que vão mudando com o tempo. Para que muitas dessas atitudes aconteçam, a força do grupo é fundamental.
Para a situação que vivíamos ali a presença dele era indispensável, nos dava força, era muito alegre, expressivo, expansivo. Um dos mais dedicados responsáveis pela construção da escola. Era um arquivo vivo. Sabia de tudo relacionado: onde passava fiação, encanamento de água e esgoto, até a fossa. Mas sabia também o mais importante, improvisar, e com a sua coragem, podíamos contar. Se precisasse, estava sempre as ordens.
Um bom exemplo é quando estávamos tentando cumprir as exigências da parte física da escola com a participação e idéia dele, construção dos banheiros. A inspetora estava ali para fazer relatório e dar prazo, sobre as questões físicas do prédio. Teríamos que ter no mínimo seis sanitários para os alunos. Então nós colocamos a inspetora de frente para uma porta, num lugar estratégico que ela percebia quem transitava em uma parte do corredor.
O João Eli se fantasiou de carregador (ele andava sempre muito bem arrumado), sujou a cara, respingou água, dando a impressão de que estava super suado, chegou à porta e gritou: “ô dona, onde ponho essa mercadoria, não posso ficar tanto tempo esperando, a areia e o cimento já tá aí fora”. Isto tudo, carregando um vaso sanitário nas costas. Passou as seis vezes, e em todas elas, ele reclamava de alguma coisa comigo para chamar a atenção. Se a mulher percebeu alguma coisa, não disse nada. Anotou os seis sanitários como ok. O vaso emprestado foi devolvido ao deposito.
Em outro dia, outra inspetora, veio para cobrar a cantina dos alunos. Estávamos frente a mais uma crise. Achar espaço disponível. Tinha um vão de comprido no primeiro andar que dava para o pátio. Resolvemos economizar parede e projetamos ali. Veio à necessidade de se ter a assinatura de um engenheiro responsável pela obra, devido a uma denuncia de ilegalidade, antes mesmo do inicio da obra. Nosso professor engenheiro já estava se desligando da escola, mas de pronto disse, fez e assinou o projeto. Um outro de matemática se comprometeu a fazer os cálculos. Dinheiro? Trabalhar uma festa no sábado à noite. Mostramos a planta, ela estipulou o tempo e nós fomos correr atrás. Não sei que argumento que a sensibilizou. Estava trabalhando, quando uma das meninas entrou: “chegaram aqui umas caixas de papelão. Você fez pedido de alguma coisa?”
Eram umas três panelas enormes de cantina e vários utensílios, pratos, talheres, facas de corte, tabuleiros, bandeja, copo.
Um cartãozinho com o desejo de bom proveito e boa sorte. Era da inspetora.
Passado mais pouco tempo, outra veio com a cobrança de um numero mínimo de títulos e de um local especifico para a biblioteca. Resolvemos reformar o barraco que o João Eli morava. Tinha mudado para um lote comprado e construído por sua mulher, principalmente pelas pressões administrativas que sofria. Nós também. Mas para nós era melhor porque tínhamos casa para voltar.
Sentia-se também envergonhado por alguém assinar por ele, nas aulas que tanto gostava.
Tiramos as paredes divisórias, improvisamos um telhado, caiamos com tinta verde, resultante de uma mistura de cores, colocamos duas mesas, pufts que as próprias professoras fizeram.
O dinheiro para comprar os livros veio de Frei Raul e de Nicolau. Fizemos à cotação e apareceu um vendedor da Abril Editora, primeiro nordestino alto que vi, que acabou ficando nosso amigo e fazendo tudo caber no orçamento, as nossas necessidades de ser no mínimo, cento e cinqüenta títulos.
Pedi que colocassem o nome do Professor João Eli nesta biblioteca.
A lei dizia ou ainda diz, que o nome só o de pessoas mortas. Não passou. Pouco tempo depois ele morreu. Não sei com que nome ficou a biblioteca atualmente. Fazia parte obrigatória do calendário escolar comemorar Semanas: da Pátria, da Alimentação, da Cultura e de Ciências. Atrapalhavam muito, os professores achavam que era muito tempo (04 semanas letivas), com um retorno questionável. Resolvemos assim: nestes três anos, nossos alunos, não fariam comemoração com desfile, enquanto não houvesse direito livre de expressão. A da alimentação, tinha dia só um dia de lanche especial.
Unimos a de ciência e cultura e transformamos em semana da arte. Trabalhos surpreendentes de Professores, alunos e comunidade. Tínhamos festival de musica, exposições com coqtail para burilar os meninos, com boa repercussão. Os alunos eram orgulhosos de pertencer ao Primeiro de Maio e estudar no “ginasinho”.
Outra boa razão que acho de direito do ginásio José de Anchieta Machado ter um reconhecimento histórico por suas peculiaridades, é de como surgiu, o trabalho que desenvolveu pedagogicamente, a luta empreendida para ajustarem-se as leis, o fato desta resistência haver sido vivenciado em pleno regime de exceção.
Um desses ultimatos de fechamento parecia intransponível. Frei Raul já estava na paróquia do Sto. Antonio, mas sempre que podia, ia nos visitar, alem de deixar bilhetes, telefonar para minha casa, me aguardar por lá. Um dia, Frei Raul disse que entre seus fieis do Sto. Antonio, havia uma pessoa muito importante que chegaria a Belo Horizonte, e que apesar de ter uma agenda muito cheia, nos receberia em torno das nove horas da noite. Era importante no governo, e talvez com sua influência, poderia evitar o fechamento da escola.
Lá fomos nós. Nem passava pela minha cabeça que pessoa era esta. Deu boa noite, disse que estava recém chegado de viagem e nosso tempo seria de meia hora. O Frei disse que estávamos ali pedindo ajuda, porque não conseguíamos ser aceitos legalmente pelo sistema educacional e fora decretado nosso fechamento. Me passou a palavra para que explicasse os fatos. Depois de muito argumentar ele disse: mas o que a senhora esta me pedindo é totalmente irregular. O que posso fazer é engrossar o pedido deste fechamento, e o mais rápido possível.
Eu respondi: pois então eu me nego a dar a noticia a comunidade. Temos mil e quatrocentos alunos, o senhor some a isto pai, mãe, vizinhos, agregados, cachorros e gatos, todos colocados no alto do morro, e eu quero ver quem vai ter coragem de dar a noticia.
Disse isto colocando a chave da escola em cima da mesinha da sala dele. O homem levantou também e perguntou: qual o seu nome menina? Um filme passou na minha cabeça com minha mãe chorando, me levando chocolate na cadeia, já que eu não fumava. Na hora que respondi: Ivany Soares, aí é que ficou bravo mesmo. Seu nome completo, senhorita? Ivany soares.
O Frei respondeu; é só isso mesmo. Muito obrigado e encaminhou me puxando para a porta.
Do lado de fora me falou: você não sabe que estava falando com o Mourão Filho? Disse: não posso fazer nada.
Veio um tempo de calmaria, mas nosso sufoco continuava. Um dia parou um táxi, desceu um senhor, perguntou se eu estava, deixou um pacote de papel oficio que deveria me ser entregue.
Quando cheguei à escola o envelope estava em cima da mesa com o pessoal olhando, abre não abre com medo de bomba.
Eram diversas folhas de papel do tamanho almaço, escritas com canetas diversas, muito caprichadas, mais um bilhete pedindo desculpas por entregá-lo sem datilografar. Continha pistas de brechas nas leis que eu poderia usar. Li. Deixei o pacote em cima da mesa e não toquei mais no assunto. Com o tempo percebi que desconsiderei a importância de um documento histórico. O pacote se perdeu.
Quando completamos três anos, em dezembro, foi convocada uma assembléia das Obras Sociais Senhora da Gloria. É.
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