Já há algum tempo eles
deixaram de ser meros telefones ou brinquedinhos. Está na hora de começar a
levá-los mais a sério: os mobiles já estão na sua sala de aula, mesmo que
escondidinhos, e não vão mais sair de lá!
Tablets e Smartphones: eles
podem ajudar a melhorar a qualidade de vida de alunos e professores
Um dos grandes problemas das
escolas jurássicas é a estreiteza de visão de gestores e educadores sobre o
impacto e a extensão da aplicação de novas tecnologias no processo
educacional.
Já estamos todos cansados de
repetir e concordar que nosso modelo escolar é ruim e precisa ser
reinventado (só tapar o sol com a peneira já não dá mais). Já há um
consenso muito bem estabelecido de que as novas tecnologias digitais de
informação e comunicação (TDIC) têm um papel fundamental nessa
reconstrução. Porém, os falsos paradigmas da escola jurássica e o apego
quase nostálgico a práticas e hábitos ultrapassados ainda sobrevivem e
impedem que gestores e educadores promovam mudanças.
Em outros artigos [ 1][ 2][ 3] já discuti extensivamente o uso pedagógico dos mobiles
(smartphones, tablets, minitablets, etc.) como meios de transformar a
maneira como se ensina e propiciar novas formas de aprendizagem, de forma
que o ensino se aproxime mais da dinâmica como o aluno aprende atualmente.
Porém, há muito mais que podemos fazer pelos nossos alunos, e por nós
mesmos, ao incorporar as novas tecnologias em nossa prática de ensino.
O uso das TDIC causa impacto
dentro e fora da sala de aula e abrange algumas questões que raramente nos
chamam a atenção, mas que se relacionam diretamente com as nossas práticas
em sala de aula e na escola de maneira mais geral. Essas questões que,
aparentemente, extrapolam o universo da sala de aula, são igualmente
fundamentais se pretendemos uma escola feita para alunos e não apenas para
professores e gestores terem um local para trabalhar.
Nesse artigo eu volto ao tema
dos móbiles, mas com um enfoque que extrapola a prática de sala de aula
para abarcar também a qualidade de vida dos nossos alunos. Como não poderia
deixar de ser, retomo também o uso pedagógico dos móbiles e tento apontar
alguns caminhos possíveis que eu mesmo e muitos outros estamos tentando
trilhar.
A primeira proposta é
simples: vamos rever o material escolar de nossos alunos e aliviar o peso
de suas mochilas?
A segunda é mais complexa:
vamos refletir sobre nossa capacidade de aplicar a nós mesmos as teorias
que aprendemos na faculdade (Piaget, Vygotsky, Paulo Freire, etc. etc)
e tentar uma ação concreta?
Mochilas escolares, dores e
problemas posturais
A mochila escolar não pode
pesar mais do que 10% do peso da criança.
Diversos estudos já mostraram
que as mochilas escolares podem causar problemas posturais e quadros de
dores nos ombros, costas e outras partes do corpo sensíveis a sobrecarga de
peso transportado.
Segundo esses estudos a carga
máxima que uma criança deveria transportar em sua mochila não deve
ultrapassar 10% de seu peso. A conta é simples:
Carga máxima = 100 x (peso da
mochila)/(peso da criança)
Se o resultado dessa conta
for maior do que 10 isso quer dizer que a criança está transportando um
peso excessivo e, provavelmente, terá problemas de saúde
como consequência.
Há várias maneiras de tentar
contornar o problema do sobrepeso das mochilas. Algumas são indicadas no
final do artigo, nas referências de pesquisa na internet. Porém, a maneira
mais simples de resolver o problema é simplesmente reduzir a quantidade de
itens transportados.
Mas, que itens são
transportados em uma típica mochila de criança do ensino fundamental ou
médio? Vamos listar alguns:
livros: livros didáticos e
apostilas, livros de literatura, gibis, revistas, dicionários de português
e outras línguas, etc.
cadernos: caderno de várias
disciplinas, cadernos de caligrafia, caderno de desenho, agenda.
materiais de apoio à escrita:
lápis, caneta, lápis e canetas para desenhar e pintar, borracha, corretivo,
régua e outros apetrechos de desenho, estojo para armazenar.
materiais variados: relógio,
adesivos, tesouras, brinquedos, chaveiros, instrumentos musicais,
calculadora, jogos, etc.
Se olharmos com atenção
veremos que as mochilas são mini-papelarias ambulantes e mesmo retirando
delas todos os itens supérfluos ainda restarão muitos itens pesados, sendo
que, geralmente, estes são os mais importantes.
Estudos também mostram que o
peso das mochilas aumenta conforme a idade e a série escolar de forma
desproporcional ao aumento de peso das crianças. Nas séries finais no
Ensino Fundamental as mochilas pesam bem mais porque os alunos transportam
mais cadernos, dicionários e livros de diversas disciplinas.
Proposta 1: Aliviando o peso
da mochila com tecnologia
Enquanto alguns professores
ainda gritam desesperados para seus alunos desligarem seus smartphones e
tablets e pegarem seus livros e cadernos, porque simplesmente não pedem que
os alunos abram seus livros e cadernos no smartphone ou no tablet?
Em um único tablet, com pouco
mais de meio quilograma, é possível armazenar todos os livros didáticos que
o aluno utilizará, todos os dicionários que precisar, todas as
enciclopédias sugeridas para consulta, tradutores, agendas, e milhares de
outros materiais "escritos" para consulta.
Os tablets possuem
aplicativos para produção de texto formatado, planilhas, gráficos, figuras,
apresentações, ferramentas de desenho, ferramentas de escrita caligráfica,
corretores ortográficos, etc. etc.
Com um tablet não há
necessidade de dezenas de lápis coloridos, borrachas, tesouras, canetas,
calculadoras, relógios, corretivos líquidos, réguas, compassos, etc. etc.
De brinde os tablets ainda
levam em si máquinas fotográficas, filmadoras, aparelhos de som,
televisores, calculadoras, cronômetros, jogos e aplicativos para todo tipo
de coisa que se queira.
Com os tablets é possível
fazer experiências sem ter laboratório na escola, simular situações que
seriam impossíveis ou extremamente difíceis no mundo real, consultar
professores virtuais, interagir com alunos de outras classes e escolas,
etc. etc. É uma lista interminável!
Não é preciso ser um gênio da
matemática para perceber que quase tudo que um aluno carrega em sua mochila
pode ser colocado em um tablet ou mesmo em um smartphone (com algumas
restrições devido ao tamanho da tela) com uma redução de peso e de volume
absurdamente grande.
E o mais impressionante nisso
tudo, e razão pela qual eu afirmo que os falsos paradigmas ainda sobrevivem
na escola e nos atrasam cada vez mais, é que em muitas mochilas já
encontramos um item muito bem escondidinho, porque é odiado por professores
e gestores, mas muito importante: o tablet ou o smartphone!
Não adianta fingir: sua
consciência anda abalada por causa das TDIC
Oras, convenhamos, se não
fôssemos educadores diplomados e cultos, portanto inteligentes e sempre
abertos às novas idéias, alguém que nos visse proibindo os alunos de usarem
seus tablets na sala de aula nos acharia "um tanto desprovidos de bom
senso" (para ser bem sutil).
Porque gestores e professores
resistem de forma quase ingênua, para não dizer tola, à incorporação dessas
tecnologias de forma natural em suas salas de aula? Porque querem que os
alunos copiem suas lousas à mão e no caderno se eles podem simplesmente
fotografá-las? Porque os alunos precisam levar livros pesados se esses
livros e muitos outros poderiam estar digitalizados de maneira a não ocupar
nenhum espaço e nem ter peso algum? Porque o aluno tem que escrever sobre
uma folha de papel em seu caderno (parte de um cadáver de uma pobre árvore
derrubada para essa finalidade) se eles podem escrever e desenhar da mesma
forma, ou melhor ainda, sobre uma tela digital?
Fotografar a lousa é uma
forma inteligente de copiá-la.
Há tantos porquês de difícil
resposta nessa questão que é mais fácil refletirmos sobre o conjunto deles
todos: Será que não estamos teimando em continuar na idade da pedra lascada
sem nenhuma razão evidente que justifique isso? Porque nos apegamos tanto a
paradigmas, práticas e idéias completamente obsoletas? Como podemos dormir
em paz sabendo, lá no fundo de nossa consciência, que estamos agindo errado
e de forma proposital?
Já está mais do que claro que
além do usos pedagógicos que potencializam o ensino e a aprendizagem, os
tablets e smartphones são escolhas saudáveis e inteligentes para
substituírem uma infinidade de itens que de fato não precisamos mais ter
dentro da mochila.
Porém, os tablets e
smartphones também provém recursos para que não precisemos mais de uma
série de práticas pedagógicas que também já não cabem mais em nossas salas
de aula: nossa mochila pedagógica está cheia de entulho!
Aliás, porque ainda temos
"salas" de aula e grades nas portas e janelas? Porque nossos
alunos precisam ficar sentadinhos enfileirados como militares ou
prisioneiros em formação? Porque temos horários rígidos e campainhas que
nos empuram daqui para ali, como nas fábricas ou nas prisões? Porque a
escola parece uma indústria-prisional de lavagem cerebral se ela se destina
a gerar cidadãos livres e libertários, criativos e conscientes? São tantos porquês...
Proposta 2: Aliviando o peso
da sua consciência com tecnologia
Proponho, além da reflexão
sobre esses "porquês inexplicáveis", uma ação concreta que nos
permita passar de elementos passivos ou observadores críticos para atores
criativos: vamos "chutar o balde"? Mesmo que você acredite (e não
saiba racionalmente porque acredita) que o uso de tablets e smartphones é
mais prejudicial do que benéfico, aceite o desafio de usá-los por dois
meses (um bimestre!).
Combine com seus alunos que
tragam para a aula seus smartphones, tablets, netbooks e notebooks e comece
a propor que eles sejam usados em atividades rotineiras da aula como:
copiar a lousa, escrever textos, pesquisar palavras em dicionários,
assuntos em enciclopédias ou na internet, etc. Explore as possibilidades!
No princípio você estará
bastante inseguro sobre "onde isso vai nos levar". Afinal, é algo
novo, e sempre nos sentimos inseguros diante de coisas que não dominamos,
não conhecemos profundamente e nem somos capazes de controlar de forma
absoluta (Ei, espere aí, a vida toda é assim, não é?).
Claro que para "chutar o
balde" e passar de elemento passivo ou observador crítico para ator
criativo, é preciso antes ter uma boa conversa com os gestores, os pais e
os alunos. Afinal, somos educadores e não vamos propor que os alunos
"tragam um novo brinquedo para a sala de aula", mas sim que
passemos a usar novas ferramentas para potencializar a aprendizagem e
promover mudanças comportamentais importantes (para a aprendizagem, para a
saúde, para a cidadania em um mundo moderno e tecnológico e para nosso
próprio benefício, na medida que podemos desenvolver aulas mais produtivas
e obter melhores resultados com menores esforços).
Também não pense que tudo
sairá como planejado inicialmente, pois um dos novos paradigmas com os
quais você terá que ir se acostumando é que nesse novo mundo, em constante
e rápida transformação, todos os processos são dinâmicos e pouco
controláveis, requerendo ajustes constantes e uma atenção contínua ao
desenvolvimento.
Nem pense em contar com a
adesão de todos à sua volta, pois o diferente ainda é visto como
"estranho e perigoso". Muitos colegas dirão que você está
"conturbando a escola" (e estará mesmo!), que isso dificulta o
trabalho deles (bobagem!) e, principalmente, que você perderá o controle (o
que seria verdade se realmente alguém tivesse o "controle" nos
dias de hoje).
Muitos alunos podem não ter
esses recursos, então você também não poderá migrar 100% de sua prática
para esse novo modelo. Mas também não é esse o objetivo aqui. O objetivo é
iniciar agora mesmo, na sua escola e nas suas classes, uma mudança que já
está em andamento em todo lugar e que não será freada por esforços
retrógrados: a incorporação natural das novas tecnologias nas práticas de
ensino e o desenvolvimento de novas práticas baseadas em um novo estilo de
aprendizagem e comportamento manifestado pelas gerações de
nativos-digitais.
Se o desafio lhe parecer
"impossível ou muito improvável", tenha em mente que já existem
professores fazendo isso em salas de aula reais no mundo todo e, inclusive,
no Brasil (ok, eu também sou um deles) e, segundo relato deles mesmos, tem
dado certo! Todos os problemas e dificuldades listados acima podem ser
contornados ou superados.
Se aceitar o desafio não se
esqueça de
planejar antes de executar
qualquer atividade e, durante a atividade, esteja preparado para lidar com
todo tipo de imprevisto. Portanto, tenha na manga um plano B, C, D e uma
boa dose de paciência e persistência;
sonhe alto, mas caminhe
devagar e dê um passo de cada vez. As grandes obras
se constroem lentamente. Na sala de aula as conquistas são
incrementais, ocorrem aos poucos, nem sempre com todos ao mesmo tempo e,
por fim, nem sempre terminam onde planejamos no início;
seja muito persistente;
acredite de verdade que está construindo algo melhor do que já temos;
observe tudo atentamente e analise
em tempo real as ações, comportamentos e mudanças na sua própria prática e
na prática do aluno. Procure localizar as mudanças que planejou, mas tenha
olhos para ver outras mudanças não planejadas que ocorrerão;
coloque-se no lugar do seu
aluno. Mude seu ponto de vista. Tente aprender com eles as melhores
maneiras de usar as ferramentas tecnológicas para atingir de forma mais
eficiente os objetivos que você tem como professor;
procure outras pessoas que
estão tentando usar os mobiles em sala de aula; a rede está cheia delas.
Procure "aliados" na própria escola. Compartilhe, interaja e se
insira na rede mundial, nos grupos de discussão, nas comunidades virtuais;
no final desse "bimestre
experimental", reavalie com seus alunos a possibilidade de continuar
tentando inovar no próximo bimestre, e no próximo ano, e pelo resto da sua
vida.
Se depois desse bimestre você
concluir que não valeu a pena e resolver desistir (não recomendo mesmo!),
tranquilize-se, pois pelo menos você terá saído de sua zona de conforto,
terá sentido um desequilíbrio cognitivo que o levará a explorar sua zona de
desenvolvimento proximal, terá desenvolvido novas habilidades em direção à
aquisição de novas competências e, para todos os fins, terá exercitado na
prática o novo paradigma de aprender a aprender.
Se resolver continuar
adiante, terá aprendido que aprender sempre e aprender com novas
tecnologias é divertido e desafiador e, por isso mesmo, os alunos também
preferem aprender assim. Além disso, quando os mobiles, enfim, deixarem de
ser vistos como vilões e passarem a ser vistos como essenciais na Educação,
você já estará pronto para desenvolver novas metodologias para as próximas
tecnologias que estarão surgindo, e não mais como agora, na incômoda
situação de ter que lidar com algo que desconhece por completo, que nunca
experimentou e, mesmo sabendo que é bom, não gosta (parece criança que não
quer comer brócolis, não?).
Acredito que após dois meses
persistindo no uso dos mobiles você poderá ter conseguido:
alunos mais produtivos, que
agora terão mais tempo para se dedicar ao aprendizado e às suas explicações
do que à tarefas ridiculamente ultrapassadas como "fazer cópias de
lousa";
criar uma rotina de uso em
que o aluno (e você mesmo) passe a ver o tablet ou smartphone como uma
ferramenta de trabalho escolar tão banal quanto
o antiquíssimo caderno, porém mais divertida e funcional;
um menor nível de
"indisciplina", "desatenção" e "desinteresse"
nas aulas pois, aquilo que é proibido e raro (como o uso atual dos
smartphones e tablets na sala de aula) é muito atrativo e dispersivo, mas o
uso regular desses aparelhos acaba retirando deles o "gosto pelo
pecado" e os torna apenas materiais didáticos usuais, porém, mais
divertidos e inteligentes;
criar novas dinâmicas de aula
que incluam o uso da internet e de recursos de multimídia e computacionais
como ferramentas banais, mas que podem tornar suas aulas mais completas e
interessantes;
reduzir significativamente o
peso e o volume de materiais didáticos e de apoio que os alunos trazem para
a escola em suas mochilas e, com isso, estará também contribuindo para a
saúde deles. E procure perceber que você também acabará reduzindo o peso
que carrega na bolsa e na consciência;
criar em si mesmo e nos
alunos a expectativa de que muito mais pode ser feito, muito mais há para
se saber sobre essa nova forma de ensinar e aprender e, por fim, terá
plantado uma sementinha onde antes havia apenas poeira velha e repisada de
paradigmas capengas.
Bom, então, divirta-se!
Referências e sugestões na
Internet:
Simulador
de peso da mochila: nessa página você encontra um aplicativo online que
permite calcular o peso da mochila de uma forma simples e direta (e
divertida!).
Cartilha Mochilas
Escolares: cartilha produzida pel Associação de Consumidores PROTESTE
orientando sobre o uso correto da mochila escolar.
Encontro Internacional
de Educação 2012-2013: iniciativa da Fundação Telefonica/Educared que
promove entre 2012 e 2013 uma série de palestras, atividades onlines e
encontros presencias para discutir o papel das novas tecnologias na
Educação. Você encontra aqui diversos temas diretamente ligados ao uso dos
mobiles e relatos de uso eficiente.
Mlearningpedia:
o Mlearningpedia é um blog focado no uso de dispositivos móveis como
ferramenta de ensino. O conteúdo e bastante diversificado e de boa
qualidade.
Blog Serão Extra: um blog do professor
Suintila, que vem fazendo bastante sucesso com o uso do celular em suas
aulas. No blog também há vídeos de palestras dele sobre o tema.
Celulares na Educação: grupo temático de
discussão no Facebook sobre o uso do celular na Educação, TDIC e temas
correlatos.
(*) Para citar esse artigo
(ABNT, NBR 6023):
ANTONIO, José Carlos. Alivie
o peso da sua consciência e da mochila do seu aluno com tecnologia, Professor
Digital, SBO, 15 ago. 2012. Disponível em: .
Acesso em: [coloque aqui a data em que você acessou esse artigo, sem o
colchetes].
profjc
| 15/08/2012 em 00:38 | Tags: celular,
inclusão digital, netbook,
notebook, paradigmas,
professor, smartphone,
tablet,
TDIC,
TIC,
uso pedagógico | Categorias: Blog
| URL: http://wp.me/phk1k-d0
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