Ruim de Jogo
Estas primeiras experiências profissionais também estão sumindo no meu tempo. Entre as três escolas em que compartilhei momentos e situações comuns, custei a lembrar o nome da primeira. São elas: Colégio ou ginásio “Fernão Dias”, Riacho das Pedras, Ginásio José de Anchieta Machado, Primeiro de Maio, e Colégio da UNSP (União Nacional dos Servidores Públicos), Serra. Estamos falando do final da década de sessenta até metade de setenta e cinco. Hoje andando por estes lugares, verifico que são praticamente irreconhecíveis.
Época de ônibus superlotados, com intervalos enormes, quase sempre quebrando no meio do caminho, caminhadas longas para chegar ao local, muita poeira, falta de comercio para alimentação e outras carências mais, telefone, pior ainda o dinheiro sempre regrado.
Às vezes o almoço no 1º de maio era desses pacotes de biscoito de polvilho engordurado com poeira preta, pegajosa ou pacote de pipoca rosa, uma coca cola, e ainda acreditando que era só felicidade. Roupa secando no corpo, e problemas, muitos problemas.
Todas essas três “organizações” se diziam filantrópicas, mas se diferenciavam muito dentro desse conceito.
O Ginásio Fernão Dias era dirigido por um senhor cego e sua fiel esposa. Entre suas atividades estava a de cabo eleitoral.
O grupo de professores não era muito grande, porque em geral as aulas eram geminadas, divididas em cargos completos, de cinco aulas diárias/semanais.
A escola se dizia comunitária, sem fins lucrativos, construída com doações, mas na base do puxadinho, fazendo voltas e voltas. Algumas salas não tinham janelas, nem metragem adequada para o tanto de alunos que colocavam dentro.
Funcionava nos turnos manha e noite, com mais ou menos quatrocentos a seiscentos alunos. Já naquele tempo a violência organizada começava a mostrar sua forma e era comum para a comunidade alguém ser encontrado baleado pelo caminho.
Eu iniciei o ano letivo em fevereiro, como substituta da professora que decidiu se dedicar um pouco mais a seu filho.
Fomos recebidos e surpreendidos com um momento complicado.
A Secretaria de Estado da Educação, através de suas Resoluções, estabelecia cumprimento urgente das normas para autorização e funcionamento escolares. Poucos professores diziam saber oficialmente sobre isso, mas todo tipo de comentário corria solto pela “rádia” ...
Deveriam ser organizados urgentemente a vida escolar dos alunos, (fichas, livros, pastas, documentos, currículo, carga horária, regimento, etc.), a formação de um quadro apto de professores, (documentações pessoais, comprovantes de saúde, de escolaridade, diários, planos pedagógicos), pessoal administrativo (diretor e secretária), um Diretor Pedagógico para responder por toda esta movimentação, sendo responsável inclusive em apresentar prestação de contas, fundo de garantia, e demais impostos. Tinha também a organização do Regimento, da grade curricular e não sei mais que.
Importantes também seriam a apresentação de estruturas físicas mínimas: banheiro, cantina, salas arejadas.
A exigência de se ter biblioteca era “satisfeita” com a amostragem de poucos livros encaixotados em caixas de papelão mofado) e o imprescindível Laboratório de Ciências, apresentado na ocasião pela mesma forma, só que mais elegante, porque tinha algumas embalagens de pipetas, beckers, lâminas, reagentes, doados por algum estrangeiro. Não eram para ser utilizados. Motivo? Não descobri. Mas faltava giz, apagador.
Interessante que a cada visita de um inspetor, usando de terrorismo, se fixava num item de lei ou resolução, fazia relatório, dava prazo improrrogável, mas aquele mesmo funcionário raramente voltava ali.
O que estava se tornando mais constante nestas exigências era a regularização funcional dos professores e o diretor pedagógico.
Estes grupos de professores se equilibravam, os recém formados com os em processo de formação, do outro lado, os em finais de carreira e os autodidatas. Organizavam seus conteúdos e na medida do possível iam se virando. Como profissionais o conjunto era até bom. Faltavam pouco. Eles mesmos faziam suas reuniões pedagógicas, escolhiam seus livros, métodos, experimentos.
Persistia só o detalhe: a falta de registros. Diários, notas lançadas, pastas com documentação pendente, livro de ponto assinado, relato sobre as atividades pedagógicas. A liderança era exercida primeira por disciplinas, e a sempre mais difícil, para o representante do grupo.
Neste momento todos os professores diziam estar acreditando que ficariam sem trabalho e os alunos sem escolas. Na área não havia escolas publicas nem comunitárias. As mensalidades não eram altas e tinha sempre uma alternativa escalonada de preço.
Pra mim não era muito confortável estar ali. Sempre fui muito ansiosa na busca das melhores soluções.
Estava ali uma administração maluca, quero dizer, a começar pela não definição da sua organização patronal. Comunitário, porque seu diretor dizia que esta escola pertencia à comunidade, em outra ocasião ao grupo de professores, quando havia cobrança de salários atrasados, outra dele, quando alguém fosse oferecer alguma verba, outra sem dono e não sei mais que..
O diretor “entendia de tudo”, interferia em qualquer planejamento mudando a ordem das coisas, usando e abusando de ordens e contra-ordens.
Aí acontece o seguinte. A Secretaria de Educação, mais ou menos no mês de abril, deu um ultimato para que toda escola tivesse um diretor pedagógico no comando de seu quadro. Advinha quem era a única que tinha o curso? Virei da noite pro dia a “salvadora da pátria”, os colegas professores não tinham outro emprego fixo, e eu acreditei que precisavam de mim, que cumpririam a promessa de que poderia contar com eles, e ainda por cima, onde os alunos iriam estudar? Só eu mesma.
Deixei a “sala de aula” e fui trabalhar na complexa montagem do processo de autorização e reconhecimento desta escola, composição de seu regimento interno, com a regularização das autorizações do secretario demais professores, inclusive com as leis trabalhistas e contatos com os dois sindicatos: o dos professores, com o Professor Wellington que me ajudou muito, inclusive intercedendo por mim na dilatação dos tempos com o sindicato dos estabelecimentos de ensino, o professor Dornas.
Hoje percebo que tudo era feito de extremo improviso e reflexão sobre qualquer prática não existia, nem mesmo as que eu pensava que fazia.
Estas primeiras experiências profissionais também estão sumindo no meu tempo. Entre as três escolas em que compartilhei momentos e situações comuns, custei a lembrar o nome da primeira. São elas: Colégio ou ginásio “Fernão Dias”, Riacho das Pedras, Ginásio José de Anchieta Machado, Primeiro de Maio, e Colégio da UNSP (União Nacional dos Servidores Públicos), Serra. Estamos falando do final da década de sessenta até metade de setenta e cinco. Hoje andando por estes lugares, verifico que são praticamente irreconhecíveis.
Época de ônibus superlotados, com intervalos enormes, quase sempre quebrando no meio do caminho, caminhadas longas para chegar ao local, muita poeira, falta de comercio para alimentação e outras carências mais, telefone, pior ainda o dinheiro sempre regrado.
Às vezes o almoço no 1º de maio era desses pacotes de biscoito de polvilho engordurado com poeira preta, pegajosa ou pacote de pipoca rosa, uma coca cola, e ainda acreditando que era só felicidade. Roupa secando no corpo, e problemas, muitos problemas.
Todas essas três “organizações” se diziam filantrópicas, mas se diferenciavam muito dentro desse conceito.
O Ginásio Fernão Dias era dirigido por um senhor cego e sua fiel esposa. Entre suas atividades estava a de cabo eleitoral.
O grupo de professores não era muito grande, porque em geral as aulas eram geminadas, divididas em cargos completos, de cinco aulas diárias/semanais.
A escola se dizia comunitária, sem fins lucrativos, construída com doações, mas na base do puxadinho, fazendo voltas e voltas. Algumas salas não tinham janelas, nem metragem adequada para o tanto de alunos que colocavam dentro.
Funcionava nos turnos manha e noite, com mais ou menos quatrocentos a seiscentos alunos. Já naquele tempo a violência organizada começava a mostrar sua forma e era comum para a comunidade alguém ser encontrado baleado pelo caminho.
Eu iniciei o ano letivo em fevereiro, como substituta da professora que decidiu se dedicar um pouco mais a seu filho.
Fomos recebidos e surpreendidos com um momento complicado.
A Secretaria de Estado da Educação, através de suas Resoluções, estabelecia cumprimento urgente das normas para autorização e funcionamento escolares. Poucos professores diziam saber oficialmente sobre isso, mas todo tipo de comentário corria solto pela “rádia” ...
Deveriam ser organizados urgentemente a vida escolar dos alunos, (fichas, livros, pastas, documentos, currículo, carga horária, regimento, etc.), a formação de um quadro apto de professores, (documentações pessoais, comprovantes de saúde, de escolaridade, diários, planos pedagógicos), pessoal administrativo (diretor e secretária), um Diretor Pedagógico para responder por toda esta movimentação, sendo responsável inclusive em apresentar prestação de contas, fundo de garantia, e demais impostos. Tinha também a organização do Regimento, da grade curricular e não sei mais que.
Importantes também seriam a apresentação de estruturas físicas mínimas: banheiro, cantina, salas arejadas.
A exigência de se ter biblioteca era “satisfeita” com a amostragem de poucos livros encaixotados em caixas de papelão mofado) e o imprescindível Laboratório de Ciências, apresentado na ocasião pela mesma forma, só que mais elegante, porque tinha algumas embalagens de pipetas, beckers, lâminas, reagentes, doados por algum estrangeiro. Não eram para ser utilizados. Motivo? Não descobri. Mas faltava giz, apagador.
Interessante que a cada visita de um inspetor, usando de terrorismo, se fixava num item de lei ou resolução, fazia relatório, dava prazo improrrogável, mas aquele mesmo funcionário raramente voltava ali.
O que estava se tornando mais constante nestas exigências era a regularização funcional dos professores e o diretor pedagógico.
Estes grupos de professores se equilibravam, os recém formados com os em processo de formação, do outro lado, os em finais de carreira e os autodidatas. Organizavam seus conteúdos e na medida do possível iam se virando. Como profissionais o conjunto era até bom. Faltavam pouco. Eles mesmos faziam suas reuniões pedagógicas, escolhiam seus livros, métodos, experimentos.
Persistia só o detalhe: a falta de registros. Diários, notas lançadas, pastas com documentação pendente, livro de ponto assinado, relato sobre as atividades pedagógicas. A liderança era exercida primeira por disciplinas, e a sempre mais difícil, para o representante do grupo.
Neste momento todos os professores diziam estar acreditando que ficariam sem trabalho e os alunos sem escolas. Na área não havia escolas publicas nem comunitárias. As mensalidades não eram altas e tinha sempre uma alternativa escalonada de preço.
Pra mim não era muito confortável estar ali. Sempre fui muito ansiosa na busca das melhores soluções.
Estava ali uma administração maluca, quero dizer, a começar pela não definição da sua organização patronal. Comunitário, porque seu diretor dizia que esta escola pertencia à comunidade, em outra ocasião ao grupo de professores, quando havia cobrança de salários atrasados, outra dele, quando alguém fosse oferecer alguma verba, outra sem dono e não sei mais que..
O diretor “entendia de tudo”, interferia em qualquer planejamento mudando a ordem das coisas, usando e abusando de ordens e contra-ordens.
Aí acontece o seguinte. A Secretaria de Educação, mais ou menos no mês de abril, deu um ultimato para que toda escola tivesse um diretor pedagógico no comando de seu quadro. Advinha quem era a única que tinha o curso? Virei da noite pro dia a “salvadora da pátria”, os colegas professores não tinham outro emprego fixo, e eu acreditei que precisavam de mim, que cumpririam a promessa de que poderia contar com eles, e ainda por cima, onde os alunos iriam estudar? Só eu mesma.
Deixei a “sala de aula” e fui trabalhar na complexa montagem do processo de autorização e reconhecimento desta escola, composição de seu regimento interno, com a regularização das autorizações do secretario demais professores, inclusive com as leis trabalhistas e contatos com os dois sindicatos: o dos professores, com o Professor Wellington que me ajudou muito, inclusive intercedendo por mim na dilatação dos tempos com o sindicato dos estabelecimentos de ensino, o professor Dornas.
Hoje percebo que tudo era feito de extremo improviso e reflexão sobre qualquer prática não existia, nem mesmo as que eu pensava que fazia.
Nenhum comentário:
Postar um comentário