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07 janeiro, 2011

Ruim de Jogo III - Catarse Funcional

Ruim de Jogo III

Ginásio José de Anchieta Machado.
Aqui entra a fase do verdadeiro sentido do ser feliz no inferno, mas “eu gostio”.
Essa eu não esqueço nem o endereço: Rua Joana Angélica, 1025 –Bairro Iº de Maio.
Uma das grandes decepções que tive é que a entregaram para o
Estado, e hoje, acho que o seu nome é Escola Estadual Mendes Pimentel. Penso que esta Escola deveria ser agraciada como patrimônio público, como preservação de um momento histórico deste país. Vou tentar explicar o porquê.
Pegávamos o ônibus na Av. Santos Dumont, na esquina da Rio de Janeiro ou Espírito Santo, zona boemia da cidade. Não se podia olhar pros lados, ou ficar parada no ponto era sempre um risco. Nosso horário de ida coincidia com o final da esbórnia local. Você poderia ser sempre surpreendida por correrias acompanhadas de brigas, na mão, na faca, na arma de fogo.
Num certo ponto, o ônibus entrava na BR, dava um balão no Bairro São Paulo e subia o morro. Quando comecei, ele parava logo depois da virada da rua da ponte. O asfalto precário não continuava até o ponto do ginásio que ainda ficava numa ruas paralela.
No tempo de chuva era uma aventura subir de ônibus que derrapava, dando a impressão de capotar a qualquer momento.
Fora isso, o ponto final era de acordo com o humor do motorista, que decidia rodar mais uns 100 metros em direção da escola.
A rua era de terra, nós atravessávamos um trilho de um lote vago, e na maioria das vezes, em verdadeiro pânico, porque não se encontrava uma viva alma pelo caminho.
Ali se vivia extremos: gente que te “protegia” sem você identificar quem é quem, imperando a lei do silencio. Importante ter os cuidados comuns para convivência com a violência organizada. Mas quando pegavam confiança com você, você virava um “deuso”, não tinha defeito, isto deixava sua responsabilidade e o desejo de fazer sempre o melhor possível de você de prontidão. Um jogo asfixiante de expectativas, porque o grupo se cobrava muito.
Os moradores eram parceiros, abriam as portas de suas casas, esperavam os professores com copo d’água, cafezinho, bolo, biscoito, alguma fruta de época, chegada da “terrinha”. Isto, se a comunidade estivesse calma. Caso contrário era um silencio quase absoluto. Interessante, apareciam e desapareciam como num passe de mágica.
Estávamos com seiscentos alunos, de 5ª a 8ª séries, divididos em manhã e noite. Ai de você se perdesse o ultimo ônibus. Chegava ao centro, subia para a Av. Paraná, entre Tupinambás e Tamoios. Indo para casa, muita das vezes acompanhada por Frei Raul, para fazer os acertos “administrativos” da semana ou do dia.
Tomei conhecimento de uma historia mais ou menos assim: nos anos de l968, 69, ou até antes, um grupo de jovens ligados às freiras e padres da comunidade prestavam ali atendimento social junto com um grupo organizado de jovens, no sentido de melhorar as condições do povo. O momento era de forte atuação e de participação política. No meio deles, um dos mais ricos, José de Anchieta Machado, recebeu de sua família um carro importado e uma viagem a Europa, para que mudasse suas idéias.
Aconteceu um “acidente”, não muito esclarecido. Disseram que seu carro virou sucata e o seu pessoal resolveu realizar seu sonho de construir uma escola do povo para o povo. Venderam o carro, e com mais um pouco de doação, começaram a construção de um “prédio” que foi erguido junto com a comunidade.
Podia perguntar a vontade que as respostas não vinham.
Fato é que cheguei para ser professora de ciências, no mês de fevereiro, quando havia deixado o Colégio Fernão Dias.
Os acontecimentos se sobrepunham numa velocidade impressionante.
A diretora desta época estava de mudança, porque era casada com militar e este estava com remoção marcada. Era amadíssima na comunidade. Teve tempo só de organizar a distribuição das turmas, contratarem os professores e ultimar as suas obrigações para ir embora.
O clima era brabo. Ninguém queria muita conversa. Chegou o bendito mês de março. Começou a confusão. Fecha não fecha. As reuniões aconteciam somente com a presença do pessoal antigo. A situação foi-se complicando. Certo dia uma inspetora convocou todo o pessoal para fixar os prazos de seus ultimatos. Foi à tarde para que o pessoal todo tivesse presente. Os professores já chegaram com sua liderança definida. Fala um, fala outro, final da historia: não adiantava ser o escolhido, teria que ter o diploma de Pedagogia. Eu nunca vi uma reunião tão demorada. Os grupos entravam e saiam da sala, propunham novos arranjos e nada da inspetora ceder. Até que ela se manifestou: quem aqui tiver o curso de pedagogia fica como o responsável pela escola, eu levo o nome e vocês vão se ajeitando.
Eu não conhecia o grupo, nem a sua situação acadêmica. Como estava ali pela primeira vez, fiquei no meu canto.
Novamente o entra e sai dos grupos e, quando voltam para falar da decisão que chegaram: nós só temos aqui uma pessoa que é fulana, apontando para mim, e nós queremos saber se você aceita a nos ajudar. Falar o que? Com a promessa de todos de compartilharem a situação, aceitei.
Alguma reflexão sobre o que estava acontecendo? Não. Iria apagar incêndio sem saber sequer como. Minha experiência não estava madura, demandava uma atitude de confiança extrema, claro que de mim para eles, mas eu entrei nessa.

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